"Portugal tem há longos anos governos que pouco ou nada se dedicam a estruturar políticas públicas desportivas que possam conduzir o desporto nacional para além dos últimos patamares europeus, quer em termos de prática regular, quer em termos de resultados competitivos nas maiores competições mundiais como os Jogos Olímpicos e os Campeonatos do Mundo.
Em especial, nos Jogos Olímpicos a participação portuguesa desde há décadas que se tem traduzido continuadamente em fracos resultados, fragilidade que se tem ainda acentuado nas três últimas edições daqueles Jogos. Nos Jogos do Rio de 2016 os resultados foram mesmo os mais inconsequentes com os objectivos assumidos pelo Comité Olímpico de Portugal e até com o maior nível de financiamento de sempre atribuído para a preparação da participação portuguesa.
O governo actualmente em funções prometia no seu programa uma “nova agenda para o desporto”, a qual passada que está praticamente a legislatura nunca viu uma linha programática à luz do dia. A tutela do desporto, quer ao nível ministerial, quer ao nível da secretaria de estado do desporto, tem-se traduzido por uma completa ausência, vazio de ideias e projectos de desenvolvimento do desporto e apenas interrompida por aparições mediáticas dos membros do governo quando está sobretudo em questão o futebol.
O panorama do desenvolvimento desportivo, traduzido em definição de estratégias, fixação de objectivos de médio e longo prazo, em discussões profundas e alargadas sobre as principais questões subjacentes ao desenvolvimento, a elaboração de documentos sobre políticas públicas a prosseguir em determinados horizontes temporais, a solicitação da participação da academia em foros de elaboração e discussão de orientações de progresso, tudo isto tem sido praticamente inexistente desde há quase duas décadas em Portugal.
Acresce ainda o facto de as entidades responsáveis em matéria desportiva, como as federações ou especialmente o Comité Olímpico de Portugal, se terem inibido de na praça pública exigirem que o desporto seja tratado com a relevância económica, social e cultural que efectivamente tem ou pode deter.
A cultura desportiva nacional, isto é, o modo como os cidadãos e as diferentes instituições e organizações entendem o desporto, as suas virtualidades, os valores de dignidade e lealdade competitiva, ou a valia económica e financeira que estão intrínsecos na prática desportiva e nas suas diferentes competições, é em Portugal absolutamente indigente, transportando para a ribalta os desvalores do facciosismo, da rivalidade radical e irracional, da degradação pelo acesso da marginalidade e da violência, pela afirmação de deslealdade competitiva, e até pela insanidade do comportamento de dirigentes de algumas das maiores instituições desportivas nacionais.
Perante esta realidade do desporto nacional, que o Comité Olímpico de Portugal conhece e que o seu actual Presidente tem já reafirmado em algumas intervenções conhecidas, embora sempre de uma forma pouco audível em termos mediáticos e insuficientemente reiterada junto das principais instâncias do poder político, presidência da república e primeiro-ministro, é agora completamente inusitado que o mesmo presidente daquele Comité venha defender (em entrevista hoje publicada no “Jornal O Jogo”) que o nosso triste país desportivo se abalance a vir a fazer uma candidatura conjunta com Espanha à realização, imagine-se o salto quântico, duma futura edição dos Jogos Olímpicos.
Nenhuma das mais recentes edições dos Jogos ficou por menos de 12 mil milhões de euros ao país organizador (até talvez mais do que isso na última edição dos Jogos do Rio 2016). No Rio a situação financeira em que ficou a cidade foi catastrófica, com dívidas gigantescas que ficaram para liquidar, já que como é do regulamento dos Jogos é a cidade hospedeira a contratante junto do Comité Olímpico Internacional e fica com as responsabilidades jurídicas e financeiras do que tiver aceitado contratar para a realização dos seus Jogos.
Portugal tem mais de 250 mil milhões de euros de dívida pública, que ficará a pagar, com elevadíssima probabilidade, durante muitas décadas, a uma média anual de juros que rondam os 7 mil milhões de euros, o que é quase equivalente a totalidade do orçamento actual da saúde. Mas a dívida total do país, pública e privada, excluindo o sector financeiro, é já de cerca de 725 mil milhões de euros, e é por isso que sucessivamente se assiste à venda ao estrangeiro de parcelas relevantes do nosso património, empresarial, imobiliário e outro.
Numa realidade financeira como esta, agravada por fraquíssimas perspectivas de crescimento económico, associadas à realidade desportiva medíocre acima descrita, como é possível que o actual Presidente do Comité Olímpico de Portugal, responsável desportivo de primeira linha, se atreva a propor a possível realização de uma candidatura nacional à realização de uma futura edição dos Jogos Olímpicos?
Em que realidade paralela vive agora o Dr. José Manuel Constantino para achar que é possível a um país que nem uma governação desportiva forte e estratégica tem tido ao longo das últimas duas décadas, que não é capaz de definir um quadro de desenvolvimento do seu desporto, que tem uma canga financeira colossal para as próximas décadas, pode vir a dar um “Grande Salto em Frente” e entrar na majestosa aventura galáctica de se candidatar à realização dos Jogos Olímpicos?
Como bem dizia o título de um filme que prendeu audiências durante anos. “Os Deuses devem estar loucos”! E o actual Presidente do Comité Olímpico de Portugal deve ser também um desses Deuses, porque deve imaginar-se fértil e gratuitamente a viver no verdadeiro “Olimpo de Portugal”."
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