"Se formos a penáltis e tivermos de escolher quem começa a rematar, a escolha é simples, somos nós os primeiros. Se por azar formos segundos, os jogadores que não tentem chutar de forma super-colocada.
A Teoria dos Jogos é um ramo da ciência que a Economia tem em comum com a Matemática. Estuda diferentes interacções estratégicas onde os jogadores têm de escolher uma determinada acção. Por exemplo, um jogador que tenha de marcar um penálti tem de decidir se chuta para a esquerda, para o centro ou para a direita. Simultaneamente, também o guarda-redes tem de escolher se se deve atirar para a esquerda, para o centro ou para a direita. Como é fácil de perceber, o jogo do penálti é aquilo que em Economia se chama um jogo de soma nula: a vitória de um jogador é a derrota do outro.
A Teoria dos Jogos descreve-nos qual a estratégia óptima de cada jogador. Por exemplo, um jogador que chute melhor para a esquerda deve chutar mais vezes para a esquerda do que para a direita, mas não deve chutar sempre para a esquerda. Se o fizesse, o guarda-rede saberia sempre para que lado saltar. Ou seja, o marcador do penálti deve seguir uma estratégia mista, aleatorizando o lado para onde chuta. É possível demonstrar matematicamente que se seguir a estratégia óptima, então a probabilidade de marcar chutando para a esquerda ou para a direita (ou para o centro) é igual. Para o guarda-redes, o raciocínio é análogo. Se os jogadores forem bons estrategas, então a Teoria dos Jogos também prevê que seja praticamente impossível saber antecipadamente qual a estratégia que o jogador vai seguir. Ou seja, nem o marcador adivinha para que lado se vai atirar o guarda-redes, nem este consegue adivinhar para onde vai o adversário chutar
Como os meus leitores já sabem, os economistas não perdem uma oportunidade para testar as suas teorias. Foi isso que Ignacio Palacios-Huerta fez. Além de Professor de Economia na London School of Economics, é também louco por futebol. Como nos EUA não conseguia seguir os jogos, pediu à mãe que gravasse todos os resumos dos jogos das ligas inglesa, espanhola e italiana, entre 1995 e 2000, e analisou os 1417 penáltis marcados nestes campeonatos ao longo destes anos. O estudo foi publicado em 2003 na Review of Economic Studies. As conclusões são claras. Os jogadores de futebol são estrategas exímios e comportam-se exactamente de acordo com as previsões da teoria:
1. O avançado chuta a bola mais vezes para o seu lado melhor (por exemplo, um jogador destro chuta mais vezes para a esquerda), mas de tal forma que a probabilidade de marcar é a mesma quer chute para a esquerda ou para a direita.
2. O guarda-redes salta mais vezes para o lado melhor do marcador de penálti, mas, novamente, de tal forma que a probabilidade de defender é a mesma quer salte para a esquerda ou para a direita.
3. Olhando para os jogadores que mais penáltis marcaram, o autor tentou encontrar algum padrão que permitisse adivinhar o lado para que vai chutar e, mais uma vez, os jogadores revelaram-se estrategas exímios, sendo imprevisíveis.
Não tem a ver com a teoria, mas deixo aqui a informação a título de curiosidade. O melhor marcador de todos era Mendieta (Lazio), com uma taxa de sucesso de 90% (sendo a média de 80%). Toldo (Inter de Milão) era o melhor guarda-redes.
Provavelmente, reparou que nas conclusões eu apenas falei em esquerda ou direita, excluindo a hipótese o chuto ser para o centro ou de o guarda-redes se deixar estar quieto. A razão é simples. Houve tão poucos remates para o centro (cerca de 7,5% do total) ou situações em que o guarda-redes apostou no centro (1,7%) que o autor acabou por não os considerar nos seus testes. De qualquer forma, dado que 7,5% dos remates são para o centro, à primeira vista, seria de esperar que os guarda-redes de deixassem estar quietinhos também 7,5%. Mas essa conclusão não resiste a uma análise matematicamente mais cuidada.
Essa análise foi feita por Chiappori e Levitt, professores em Chicago, e por Groseclose, professor em Stanford, num artigo publicado em 2002 na American Economic Review. Naturalmente, não é possível fazer aqui a demonstração matemática, mas a ideia é relativamente simples. Se os guarda-redes ficassem muitas vezes quietos no centro, então o avançado nunca chutaria para o centro, dado que isso seria uma defesa quase certa. Dessa forma, o guarda-redes ficar no centro muitas vezes nunca poderia ser um equilíbrio neste jogo. Por outro lado, quando o avançado remata para o centro e o guarda-redes se atira para um dos lados, a verdade é que de vez em quando ainda consegue defender (por exemplo, com o pé). Ou seja, para o guarda-redes, atirar-se para o lado quando a bola vai para o centro é menos penalizador do que deixar-se ficar quieto quando a bola vai para a esquerda ou para a direita. É assim de esperar que sejam mais as vezes que o remate vai para o centro do que as vezes que o guarda-redes se deixa lá ficar quietinho. Mais uma vez se conclui que os jogadores são estrategas exímios, intuitivamente optimizando as suas hipóteses.
Para terminar, uma nota que me parece interessante. Lá por serem estrategas exímios, não deixam de ser humanos e também sucumbem à pressão psicológica. Num artigo publicado em 2010, Palacios-Huerta e Jose Apesteguia (Universidade de Pompeu Fabra – Barcelona) analisam os desempates por penáltis. Recolheram dados sobre 269 desempates por grandes penalidades que ocorreram em diversas competições oficiais da FIFA entre 1970 e 2008.
Como até Junho de 2003 era a moeda ao ar que decidia quem marcava primeiro, a ordem das equipas era puramente aleatória permitindo assim derivar um mecanismo causal. E a verdade é que a equipa que remata primeiro tem 60% de probabilidades de vencer enquanto a outra tem, obviamente, apenas 40. Quando se fala em lotaria dos penáltis, deve-se reconhecer que o primeiro bilhete da lotaria começa logo com a moeda que é atirada ao ar, dado que a equipa que marca primeiro tem 50% mais hipóteses de vencer do que a segunda. E isso acontece porque os avançados sucumbem à pressão: a equipa que marca em segundo perde mais vezes não porque o guarda-redes da primeira defenda os remates, mas sim porque há uma maior tendência para chutar para fora ou à barra.
Em Julho de 2003, a regra mudou ligeiramente. Desde então, já não é a moeda ao ar que decide quem marca primeiro. Agora a moeda decide qual dos capitães tem direito a escolher a ordem do remate. Como seria de esperar, o capitão que ganha a moeda ao ar escolhe começar primeiro. Sabe bem que ao fazê-lo está a colocar uma pressão adicional no adversário. Os autores apenas se aperceberam de uma excepção a esta regra: numa eliminatória do campeonato europeu em 2008, no desempate entre Espanha e Itália, o capitão italiano Gianluigi Buffon pôde escolher quem começava primeiro e escolheu a Espanha. A Espanha não desperdiçou a oferta e ganhou.
Conclusão. Caros capitães da selecção nacional, se formos a penáltis e tiverem de escolher quem começa a rematar, a escolha é simples, somos nós os primeiros. Se, por azar, formos os segundos, avisem os jogadores para não tentarem chutar de forma super-colocada. Com o nervosismo, arriscam-se a mandar para fora."
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