"Seria necessário dar maior ênfase ao desafio lançado por Stephanie Labbé, guarda-redes da selecção feminina do Canadá, que nos últimos anos jogou também na Suécia. Chegada aos 31 anos e depois de ter incluído no currículo uma meia centena de jogos pela selecção do seu país, Stephanie decidiu elevar o nível e superar o derradeiro obstáculo, desafiando um tabu: jogar numa equipa masculina. Levou a ideia muito a sério e passou semanas a treinar com o grupo do Calgary Foothills FC, um clube que milita na Premier Development League, categoria semiprofissional que corresponde à quarta divisão da pirâmide futebolística canadiana. Stephanie acha-se preparada para jogar com os homens e os dirigentes do clube estavam dispostos a incluí-la no plantel, mas os dirigentes da Premier recusaram-lhe a inscrição. Motivo: o campeonato no qual Stephanie quereria jogar é masculino e assim deve continuar. Não podem ser admitidas excepções.
Se Stephanie quer jogar, pode continuar a fazê-lo nos torneios femininos. Do ponto de vista de Stephanie, trata-se de uma decisão injusta, contra a qual decidiu apresentar recurso legal. Do ponto de vista de quem observa o caso e dele tenta tirar conclusões, há pelo menos duas indicações a retirar. A primeira é que o mundo do desporto continua a ser um dos últimos campos onde ainda existe uma rígida separação entre masculino e feminino. Essa divisão teve sentido – e grosso-modo continua a ter – porque os níveis máximos das prestações masculinas continuam a ser muito distantes dos níveis máximos das prestações femininas, pelo que não seria credível pôr lado a lado desequilíbrios assim tão evidentes. Mas também é verdade que, analisando os níveis intermédios de cada disciplina não se encontram motivos para insistir numa separação tão rígida. E isto ainda é mais evidente em desportos colectivos, nos quais o talento individual deve mesclar-se na dimensão do grupo e encontrar nele possibilidades de desenvolvimento. Portanto, se uma guarda-redes de uma equipa de primeira divisão do futebol feminino demonstra talento suficiente para jogar numa equipa da terceira ou quarta divisão do futebol masculino e se um clube de uma daquelas divisões pretende recrutá-la, por que razão não deverão ser satisfeitas as pretensões das duas partes? Talvez este avanço, que deve ser cultural antes de ser desportivo, tenha dificuldade em concretizar-se por ter de fazer contas a preconceitos muito difíceis de abater.
E a segunda indicação está ligada à questão do preconceito. Fico com a impressão de que, num mundo do desporto já de si demasiado condicionado por ideias pré-concebidas acerca das diferenças entre os sexos, o futebol é especialmente conservador. A demonstrá-lo estão os exemplos citados como termos de comparação para este caso de Stephanie Labbé. Trata-se de exemplos que derivam do hóquei no gelo, um dos desportos mais violentos e por isso mesmo associado a uma ideia de machismo. E no entanto, no apoio às pretensões de Stephanie Labbé jogar com os homens foram citados exemplos de senhoras que jogaram como guarda-redes em campeonatos masculinos de hóquei no gelo. E fizeram-no demonstrando uma grande capacidade de adaptação, o mesmo sucedendo com os campeonatos que as acolheram, avaliando-as apenas pela sua capacidade de se exibirem à altura da situação. Se tens talento, jogas; se não tens talento, estás fora. Sem estar a ver se és homem ou mulher.
Portanto, é neste aspecto que o futebol continua a demonstrar-se fortemente conservador, quase reaccionário. Um mundo que deve continuar a separar os homens das mulheres, como se misturá-los fosse um sacrilégio. Nada disto tem razão de existir. E a batalha liderada por Stepanhie Labbé pode ser um primeiro e decisivo passo em direcção à mudança cultural do futebol. É por isso que todos devemos apoiá-la."
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