"O que em Inglaterra é uma incidência do jogo, para nós é um drama nacional.
Não é de hoje nem de ontem. A excelência do campeonato do inglês é algo que citamos com frequência inusitada. Não raras vezes, técnicos, dirigentes, comentadores ou jornalistas usam o exemplo britânico como expoente máximo do que de melhor existe no mundo do futebol. Seja porque os árbitros deixam jogar, porque os adeptos se sabem comportar ou porque os jogadores não costumam simular... o que não faltam são referências de boas práticas, regra geral usadas como medida comparativa com o futebol português. Não sendo certo que a qualidade dos árbitros ingleses seja superior à dos nossos (pelo contrário), não deixa de ser verdade que em termos financeiros, organizacionais e de interesse competitivo as coisas correm muito, muito bem por aquelas bandas.
Muito recentemente, a Sky Sports divulgou um estudo realizado pela PGMO (Professional Game Match Officials), onde constam dados estatísticos relativos às decisões dos árbitros e árbitros assistentes em jogos da Premier League. Convém passar os olhos nalguns das conclusões:
1. Cada árbitro toma, em média, 245 decisões por jogo. Na prática, o triplo do número de vezes que um jogador toca na bola, num jogo da Premier League;
2. Isso significa que, a cada 22 segundos, é tomada uma decisão;
3. De todas essas decisões, 60 são técnicas (para sinalizar pontapés de canto ou baliza, lançamentos laterais, foras de jogo, etc) e as restantes 185 são para avaliar eventuais infracções técnicas ou disciplinares;
4. 28 destas resultam numa intervenção directa e activa do árbitro (interromper o jogo e sancionar as respectivas faltas/incorrecções), sendo que as outras 157 referem-se à opção de não punir (por exemplo, decidir não assinalar um pontapé de penálti ou não advertir/expulsar um jogador);
5. Média de erros que cada árbitro comete por jogo: 2. Perante o número total de decisões que tomam, a sua taxa de acerto é de 99,2%;
6. Já os árbitros assistentes tomam cerca de 110 decisões por jogo, incluindo avaliação de foras de jogo, indicações de recomeço e apoio técnico/disciplinar ao chefe de equipa;
7. Dessas, 39 referem-se à análise de eventuais foras de jogo. No entanto, apenas uma média de 5 são sinalizadas (com a bandeira) como infracção;
8. A sua taxa de eficácia global ronda os 98%;
9. Actualmente (em 2017/18), os árbitros ingleses fazem mais sprints do que faziam há nove épocas (na verdade, mais 70%). Além disso, fazem cerca de 24 corridas de alta intensidade por jogo;
10. A média percorrida por um jogador da Premier League, nesse ritmo, é de 525 metros/jogo. No último Manchester City/Arsenal, o internacional Michael Oliver correu 936 metros em alta rotação;
11. Na Premier League, a média de sprints percorridos por um jogador é de 160m/jogo. No último Tottenham/Southampton, o juiz do encontro percorreu 290m;
12. Em 40 jogos desta época, vários árbitros e assistentes atingiram uma velocidade máxima superior a 30.3 Km/hora, registo bem superior à média dos jogadores profissionais nas mesmas partidas.
Estes são dados factuais. O problema não está na percentagem de eficácia dos árbitros, na forma como se preparam, como trabalham ou como evoluíram nos últimos anos. O problema é que, mesmo assim, erram. Lá como cá. Cá como na Coreia. Na Coreia como no Suriname. E é aí que reside a grande diferença entre o nosso futebol e o deles. Na educação, na cultura desportiva, no fair-play. No aceitar acerto e erro como uma inevitabilidade da competição. O que para eles é uma incidência de jogo, que hoje prejudica e amanhã beneficia, para nós é um drama nacional, uma cabala de alguém contra alguém. Uma verdadeira campanha orquestrada.
Enquanto não melhorarmos aí (algo que demorará séculos... se começarmos já), não há estudos, números ou estatísticas que resistam. Repisar este sentimento não é agradável, mas recordá-lo em permanência é uma das formas mais eficazes de incentivar à mudança."
Duarte Gomes, in A Bola
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