Últimas indefectivações

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Os ardis da crença

"De repente tudo parece desmoronar-se e desabar - e um calafrio percorre os nervos em franja do universo benfiquista. O mais engraçado e irónico, porém, é que nada do que se está a passar fica fora do arco das fervorosas previsões de responsáveis e afins.
Ouvi-o vezes sem conta aos mais expeditos e iluminados comentadores quer do Benfica quer do mundo da bola em geral: o Benfica vai seguramente perder pontos, vai passar também por dificuldades e o desfecho do campeonato é dramaticamente incerto – vai ser discutido taco-a-taco até ao fim!
O mais recente contributo para esta onda de arúspices do aperto foi protagonizado pelo inefável adjunto do técnico benfiquista que, no rescaldo da cheia do Sado, ao tentar desajeitadamente recolher os cacos da desgraça, não encontrou melhor justificação do que a seguinte sentença, em jeito de conveniente soporífero: “nós sempre dissemos e estamos seguros que isto vai ser mito apertado até final – e é o que está a acontecer”.
O que mais impressiona é esse narcísico suspiro de alívio, esse trejeito vagamente triunfal de ver confirmado na prática aquilo que tão ousada e diligentemente fora pelos próprios previsto. Esta a sua glória!
Sim, o circunspecto adjunto do castigado Vitória, naquele seu ar de seminarista recém investido das ordens menores, achou-se possuído do pentecostal carisma da profecia que, ao fim, nada mais fará do que auto-realizar-se, enchendo de infecto ar os pulmões ufanos de tão délficos arúspices.
Meus amigos, a coisa é feia, séria …e desarmantemente simples: as nossas crenças, veiculadas pela densidade sémica da palavra, criam a nossa realidade – sempre.
Os males do mundo não são consequências absolutas de um Deus mágico e caprichoso, que se entretêm a colocar à prova os pobres mortais. Não: cada um de nós, a partir do seu real estado de consciência, é, através da sua operante intencionalidade, o co-criador da sua própria experiência. Os males, incluindo os que povoam o instável território da bola, não são fulgurações aleatórias de uma realidade caótica e em desalinho – eles são, de facto, categorias móveis da nossa situada percepção. 
Muita gente, atletas e treinadores, se entregam a severos regimes dietéticos no afã de acautelar o almejado sucesso, mas a ninguém ocorre exercitar um outro tipo de dieta, urgente e essencial – a dieta de pensamentos, emoções e sentimentos, pois todos transportamos um SOE (sistema de orientação emocional): diz-me como te sentes e dir-te-ei quem serás e o que terás. Há um famoso ditado com que “nuestros hermanos” costumam ilustrar esta verdade perceptiva: “en este mundo traidor, nada es verdad ni mentira: todo es del color del cristal con que se mira”. Nem mais.
De facto, este nosso mundo é pintado com as cores dos óculos com que armamos este nosso incauto e impertinente olhar – é por isso que a nossa avó nos prevenia para os malefícios do “olho gordo” da inveja da vizinha, do “mau olhado”. Não é no olhar que está o mal, mas no sentimento venenoso que o inquina e turva.
O pretensioso exercício de antecipar tempestades como elemento de afirmação de uma competência à prova de toda a sorte de ventania é o mais tonitruante logro em que alegremente cai a esmagadora maioria dos treinadores. Não cuidam eles que, com esse zelo premonitório, o que fazem é darem-se a si mesmos razão, num patético e irónico afago a um ego que é precisamente isso que, acima de tudo quer: ter razão!
E lá se ficam eles com essa penosa razão – e com ela se revolteiam noites inteiras, numa insone e insana luta com o infindável cortejo de seus fantasmas de estimação. Chega, haja bom senso: cuidem-se e vejam bem não tanto o que pela boca lhes entra mas sobretudo o que dela sai – vindo do coração.
Juízo, se querem que o sucesso lhes amaine e cure as insónias.
Talvez o António Conte possa contar como é...talvez. Digo eu…"

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