"Vitória ganhou o braço-de-ferro a Jorge Jesus porque um campeonato envolve um conjunto de múltiplas variáveis e não se decide só em função da sempre controversa exuberância do futebol apresentado. Até porque, como explicou há dias Claudio Ranieri, "o jogador perdoa muito mais facilmente o treinador por errar tacticamente do que humanamente". O técnico do Benfica não tem praticamente mais nenhum ponto comum com o inopinado campeão no Leicester, mas acabou também por beneficiar da sua benignidade e capacidade de agregação, contando para isso com o inestimável contributo dos responsáveis do Sporting, que terão sido os únicos a não perceber o quanto a sua pesporrência ajudou a aglutinar o balneário da Luz. Se dúvidas disso houvesse, bastaria atentar a boa parte das reacções dos benfiquistas anónimos, que mais do que ter ganho a Liga ao Sporting exultaram o brilharete que ofuscou Jesus. Mas os diversos momentos de festejo no relvado, no autocarro panorâmico e no Marquês confirmaram também que Vitória tinha o afecto e o respeito profundo dos seus jogadores, mesmo dos que jogaram pouco. Eles gostam da informalidade e da fleuma de um líder sem truques e que lhes indica o caminho em vez de lhes gritar ordens. "Não foram as palavras de Jorge Jesus que uniram o grupo - foram as de Rui Vitória", esclareceu Samaris, como que a confirmar que Jesus estava mesmo atrás do senhor das pipocas na lista de prioridades do treinador do Benfica. Vitória foi sempre magnânimo nas vitórias e quase sempre nobre nos desaires, mas quando teve de dar um murro na mesa não deixou de o fazer. Jesus gabou-se então de ter "tirado o coelho da toca", incapaz de perceber que ele é que estava a cair na sua própria emboscada.
Não é difícil concordar que o Sporting foi mais avassalador nos seus melhores momentos no campeonato - e este universo restrito deve ser relevado, porque Jesus falhou ou desistiu nas restantes provas. Mas a diferença não foi tão assinalável como ele e a sua entourage tentam fazer crer. As memórias mais recentes são sempre as mais impactantes, mas o Sporting também teve períodos menos fulgurantes, que, de resto, contribuíram para as escorregadelas nas recepções ao P. Ferreira, Tondela e Rio Ave e na visita ao Boavista. Pode queixar-se da falta de fortuna nalguns duelos, designadamente em Guimarães e na Madeira com o União, mas as estafadas queixas da arbitragem não passam de uma estratégia evasiva que esconde o essencial: o Benfica e o Sporting foram os mais beneficiados na Liga e se o campeão o foi de uma forma mais uniforme durante a época, o vizinho de Alvalade foi-o mais flagrantemente no primeiro terço. Se não foi capaz de gerir e rentabilizar os sete pontos de vantagem que chegou a ter sobre o Benfica no final da 13.ª jornada deve é começar por questionar a bondade de algumas das suas opções, entre as quais a venda a preços módicos de Montero e a revolução total na defesa em Janeiro, que acabou por gerar uma solução melhor, mas que, pelo caminho, teve custos de crescimento.
Rui Vitória teve uma paciência oriental, percebendo que as árvores de raízes mais fundas são sempre as que sobem mais alto. Começar por lidar com o fantasma e as taças do seu antecessor e com uma pré-época mal desenhada e desgaste. Teve de inventar soluções num plantel afectado por lesões e que a crítica considerava perder na comparação. Não se lhe ouviu um queixume. E, mesmo sem contar com as apostas regulares em Nélson Semedo e Gonçalo Guedes, seriam acusados de pascácios os que, em julho passado, tivessem arriscado dizer que Ederson, Lindelof e R. Sanches seriam determinantes no 'tri' que fugia há quase quatro décadas. Jesus acusa Vitória de copiar o que ele criou na Luz, como se isso não fosse um sinal de inteligência e como se ele próprio não tivesse usufruído da herança de Jardim e Marco Silva, designadamente no que respeita à maturação de Patrício, William, Adrien, João Mário e Slimani. O Benfica foi muitas vezes uma equipa demasiado dependente das individualidades, perdendo na comparação com o Sporting no processo ofensivo. Mas também teve outros méritos desde logo o de não precisar de muito para marcar golos. De facto o que decidiu esta Liga foi a superior eficácia finalizadora do Benfica, que a Jonas e a Mitroglou ainda acrescentou um Jiménez muitas vezes decisivo. Ao invés, a insistência em Gutiérrez como parceiro de Slimani só começou a dar frutos quando o Benfica já seguia à velocidade de cruzeiro. Foi isso que fez mais diferença. Mas rende sempre mais correligionários acusar os árbitros de bandidos..."
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