"O Benfica, nascido numa farmácia e fundado por um homem cujo nome evoca os dois santos maiores da medicina (São Cosme e São Damião), não pode ser remédio para tudo.
NÃO deixa de ser curioso como uma expressão nascida com intuito destrutivo – o afamado 'colinho' – que começou por ser gritado ao desbarato pelos nossos rivais históricos e histéricos, acabou por se transmutar num maravilhoso floreado metafórico adoptado pelos benfiquistas como signo da união na campanha em curso.
Nasceu o 'colinho' para nos ofender mas num instante se esfumou a pretensão. Agora o 'colinho' é de quem o soube transformar, inteligente e perversamente, em incontornável e mais do que merecido auto-elogio.
Muito antes de o departamento de marketing ter respondido oficialmente aos confundidos e direccionados detractores do Benfica com uma campanha a que chamou 'colinho' – pena a referência a Lopetegui, de mau gosto e absolutamente dispensável -, já os benfiquistas anónimos, que não falham em qualquer estádio do país, tinham transformado o 'colo' e o 'colinho', com que nos pretendiam diminuir, em palavras de ordem no mínimo empolgantes.
Na nossa maneira de falar veio, assim, o 'colinho' tomar o lugar significante do antigo 'Terceiro Anel', que era a palavra-símbolo do apoio incondicional dado pelos adeptos à equipa. No futebol também é o povo que faz a língua. Nem sequer é grande novidade. E contra isto não há nada a fazer.
A grande novidade é que, rendidos à semântica triunfante, agora já todos querem ter 'colinho'.
A capa de O Jogo da última segunda-feira foi disso mesmo pragmático exemplo. «Colo até Munique» rezava a manchete em letras bem gordas ilustrada pela fotografia de um rapazinho, equipado de azul e branco, levado ao colo pela mãe até ao Aeroporto de Pedras Rubras para se despedir da equipa que partia para a Alemanha.
São estas transmutações de sentido das palavras que constituem a felicidade das línguas vivas, sempre capazes de se reinventar e de conferir novos e insuspeitos sentidos a palavras suspeitas, ou vice-versa, ao contrário do que acontece com o latim que é uma língua morta.
NO sábado de manhã, na sua edição on-line, o Expresso trazia um título de pôr os cabelos em pé: «Benfica já está a gravar hino de campeão».
- Cambada de idiotas! – foi o que me saiu. Peço desde já desculpa.
O insulto, de que logo me arrependi, era todo ele dirigido às alegadas luminárias do meu clube que, pelos vistos, não tinham aprendido nadinha com o que nos acabou por custar o título de 2012/2013 – a fanfarronice.
Perante um título destes, epítome da intolerável fanfarronice, para mais veiculada num semanário de referência, uma pessoa sensata até tem de respirar fundo antes de se abalançar, temendo o pior, a ler a notícia no seu todo. Mas nem me valeu a pena o esforço de respirar fundo porque imediatamente ficou tudo esclarecido.
Na verdade, o texto jornalístico não mencionava em parte alguma que o Benfica estivesse a gravar um «hino de campeão» quando ainda falta tanto para o termo da prova. Nem insinuava, valha a verdade.
Apenas nos contava a notícia do Expresso, e com singeleza, que o Benfica tinha convidado o maestro Nuno Feist para «compor os arranjos musicais de uma versão moderna da canção Ser Benfiquista, hino escrito originalmente por Paulino Gomes Júnior nos anos 50».
O que é uma coisa completamente diferente, como concordarão. Não há aqui indícios de festejos antecipados nem da tal fanfarronice. Peço, portanto, desculpa por ter sido injusta ao chamar impulsivamente idiotas aos responsáveis do meu clube. Não, não são.
E vejam só como um título enganador – «Benfica já está a gravar hino de campeão» – que não tem correspondência com a realidade e que só tem correspondência direta com a idiotice (felizmente, não com a nossa idiotice como se acabou por revelar) pode encimar uma notícia que só tem correspondência directa com uma tocante homenagem musical e familiar prestada pelo Benfica a Paulino Gomes Júnior.
Sendo o maestro Nuno Feist neto de Paulino Gomes Júnior – facto fulcral e ignorado na notícia -, é bem bonito ter-se o Benfica lembrado de encomendar a Feist uma versão contemporânea da canção originalmente composta pelo seu avô para a campanha de recolha de fundos que permitiu a construção do Estádio da Luz.
Coisas nossas, apenas isso.
NO jogo com o Belenenses o Benfica conseguiu matar o fantasma do golo madrugador que lhe roubou os 6 pontos das deslocações a Braga e a Vila do Conde. Isto para quem acredita em fantasmas, obviamente.
Houve, é certo, muito boa gente preocupada com o golo de Jonas no Restelo logo aos 5 minutos de jogo. Anteviam o adormecimento da equipa e a inerente derrota, não seria a primeira vez. Nem, pior ainda, a segunda.
Não foi isso, no entanto, o que aconteceu. O Benfica, sem jogar bem, esteve sempre vivo no jogo e um segundo golo de Jonas arrumaria a questão a pouco mais de dez minutos do fim.
Ficam agora a faltar cinco jornadas. Se o Benfica ganhar os três jogos que lhe faltam disputar em casa é campeão.
Carrega, Benfica! Carrega mais três vezes…
Eu sei, eu sei que falar é fácil.
O que aconteceu anteontem ao Porto em Munique é, precisamente, o que me fez suspirar de alívio nas duas últimas temporadas sempre que o Benfica saiu da Liga dos Campeões e se viu relegado para a Liga Europa.
Não é falta de ambição, é realismo.
As equipas portuguesas de top não têm andamento quando se chega a este patamar da competição europeia mais importante e arriscam-se a ser veementemente maltratadas por poderosíssimos adversários. Já a Liga Europa é uma prova simpática, à nossa medida, como se tem vindo a provar.
Este ano, é verdade, o Benfica nem à Liga Europa chegou, foi uma pena.
O Valência lá voltou a espiar o Benfica, contam-nos os jornais.
Agora no Restelo os seus emissários reviram em acção o maior artista do campeonato português, Jonas.
Precisamente o mesmo Jonas a quem o Valência fez a vida negra, impedindo-o de jogar e até de se treinar com os companheiros acabando por o libertar de borla para o Benfica, que muito encarecidamente agradece.
Saberá o Jonas que tem vindo a ser observado pelos detectores de talentos do Valência, por mais que tentem fechar os olhos quando o brasileiro pega na bola? Tudo leva a crer que sim, sabe. Se não sabe, desconfia. E como isso o tem inspirado.
Aproxima-se agora o clássico. E mesmo que o Valência, farto de ver golos do Jonas, não mande ninguém espiar o jogo do Benfica no próximo domingo é da maior conveniência dizer ao jogador, meia hora antes da entrada em campo, que o próprio Peter Lim, munido de binóculos, já está no camarote pronto a observá-lo e, se possível caro Jonas, a interrogar-se sobre o sentido da vida.
NA noite de terça-feira, o Expresso on-line explicava a humilhação sofrida pelo Porto em Munique recorrendo à sobrenaturalidade.
A goleada aconteceu porque «Jesus encarnou em Julen». E foi uma «invenção» feita «à treinador do Benfica» que «deixou o Porto a descoberto» na Alemanha.
Está visto, portanto, de quem foi a culpa do colapso portista. O treinador do Porto por si só não chegava lá. Teve de encarnar no treinador do Benfica, o verdadeiro réu de Munique.
Em resumo: houve que baixar o espírito do Jorge Jesus no espírito Lopetegui para lhe poderem chamar burro à vontade. Ao Lopetegui, naturalmente.
O Benfica, que nasceu numa farmácia e foi fundado por um homem cujo nome evoca os dois Santos maiores da medicina – São Cosme e São Damião -, também não pode ser remédio para tudo em Portugal."
Leonor Pinhão, in A Bola
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