"São poucas as camisolas vermelhas em redor do estádio. Algumas crianças correm atrasadas para o treino. As roulottes estão fechadas. Ouve-se estrangeiro aqui e ali, devem vir do museu. Uns engravatados discutem coisas sérias numa das portas. Em frente ao café, dois idosos garantem que “antes é que era.” As portas entreabertas mostram o relvado sozinho. Falta algo.
A chuva ameaça os desconfiados de serviço. Os cartazes garantem-me as melhores novidades, mesmo que se repitam previsivelmente mês após mês. Ao longe, ouve-se o trinado das senhas que só sabem falar com sócios. “É mais uma bica, curta”. Já cheira a almoço e ainda agora começou a manhã. Falta algo.
Há vermelhos, há até encarnado, porque aqui temos de tudo para todos. E há mil e uma cores e tamanhos. As crianças pedem, os avôs compensam o que ficou por dar a quem não está por ali. Os livros contam as melhores histórias antigas e as capas vestem-se de maneira para impressionar. Falta algo.
Esquerda, direita, pára, escuta e olha. Não há estrada nem comboio, mas esta viagem promete sempre. De bicicleta pela mão e bola no pé, os anos passam rápido entre as escolhas do momento e as recordações mais traiçoeiras. A dois é melhor, dizem. Ou a três, quatro, cinco ou onze. São pessoas, equipas e histórias. Falta algo.
Onde antes havia irregularidades, brechas e mãos cravadas, hoje temos tudo a direito. É cimento, betão, ferro e metal. Não mexam mais, a máquina resolve. Trocámos o esforço de muitos pela oferta a todos. Não interessa o tamanho, aqui há salas e camarotes, cadeiras fofas e peões por levantar. O led é mais intenso, só que a luz não é a mesma. Falta algo.
Relva verde, molhada, transpirada. Balizas penduradas, esquecidas, abandonadas. São trezentos e sessenta graus, trezentos e sessenta e cinco dias por ano — mais um para os bons clientes desta vida —, o mundo é simples quando estamos no centro. Mas, hoje, o meio campo é terra de ninguém. Falta algo.
Poucas coisas são mais bonitas do que a chegada ao estádio, passear pelas lojas, espreitar as novidades, visitar o museu, sentir a relva. Benficar é vida, é voltar ao estádio sempre que possível — mesmo quando não é necessário — e quase encher o coração por completo. Falta algo.
Falta-nos sempre algo quando a bola não rola e os amigos estão longe."
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