"Um Europeu apenas começa a ser curto para tanto talento numa Seleção que não só pode ambicionar a grandes conquistas como a deixar marca pela forma de jogar
Tak, Jon! Obrigado! Embora com diferente pronúncia, vale tanto para dinamarqueses como para suecos. Já os noruegueses precisam de mais um k para dizer o mesmo, um erro que faria com que nos levasse a pedir ao técnico para olhar para o teto. E o bom do Tomasson, antigo goleador de uma das equipas com mais refinado gosto em equipamentos de que há memória e hoje selecionador do diabólico Gyokeres, lá teria ainda mais razões para achar que é Portugal o Tibete das seleções e está no teto do mundo no que à qualidade diz respeito. «É o Manchester City!» Pronto! Olhando para a lógica dos suecos, e mesmo que se trate de um adotado e não original, que chamam mor e far respetivamente a pai e mãe e depois mormor e farfar a avó e avô, não será difícil encontrar alguma linearidade no raciocínio.
Há, contudo, uma grande diferença, Jon. No lado azul de Manchester, o dinheiro dos Emirados deu para tudo. Para comprar talento, mas também para plantá-lo e nutri-lo. Há Haaland, Álvarez, Bernardo, Rodri, entre tantos outros, porém também Foden, Lewis e Bobb. Enquanto formos pobres, vivermos sob a ameaça de troikas e populismos oportunistas e extremistas que ainda mais nos empobrecem, sobretudo a nível de espírito, e não encontrarmos petróleo na Lourinhã ou em qualquer outro lugar, teremos de ser o que temos sido: verdadeiros MacGyver na formação, por vezes até contra a nossa própria natureza. Só assim pudemos preencher os 30 metros que nos faltavam, moldar o guarda-redes que não tínhamos, construir os laterais que só víamos nos outros e alargar as fronteiras de um pequeno país periférico, onde as novas ideias chegam mais tarde, já trocadas e digeridas, e o talento estrangeiro se apresenta demasiado verde ou para lá do maduro, até se tornar uma potência do jogo.
É para o fruto dessa dedicação, primeiro por carolice, depois integrada numa visão mais global, que as gerações mais novas olham sem questionar os rótulos que lhe colam. Como o de um Manchester City das seleções, em que há dois ou mais jogadores de altíssimo nível por cada posição, e que leva a que depositemos hoje mais expetativas numa consagração que começa a não andar a par com o potencial que se leva para o campo. Um Europeu apenas é agora curto quando antes já foi tudo. No entanto, é preciso não esquecermos o que somos, de onde viemos, e que por cada Blue Moon que nos oriente o caminho há também um Liverpool algures escondido na seleção francesa, um Arsenal na espanhola ou um Chelsea na alemã. E todos na inglesa.
Além disso, mais do que os troféus será sempre importante o caminho que nos conduzirá à glória. Apaixonei-me em 2000 naquele frenético 3-2 à Inglaterra e nunca mais esqueci essa seleção, apesar de todos os seus defeitos. A culpa foi do túnel de vento criado pelas pernas de Tony Adams no tomahawk Ipiranga de Figo, do cruzamento de Rui Costa para o voo de JVP depois de inúmeros passes em cadeia, da délicatesse que um Nuno Gomes acrescentava sempre que usava as quinas ao peito e da força de vontade de um Conceição disposto a colar o selo de obsoleta a uma sempre beligerante Alemanha, que lá teve de renascer uma vez mais das próprias cinzas. E era, sobretudo, uma Seleção que bailava e inspirava. Era o Brasil da Europa mesmo que, apesar da arrogância capilar de Abel Xavier, andasse cheio de dúvidas quanto ao lateral-direito e trocasse a geometria quase infalível de il regista Paulo Sousa pela consistência de Vidigal, Paulo Bento ou Costinha, dois dos quais em simultâneo. Porque depois, em campo, tudo fazia sentido. Portugal disse adeus ao sonho nas meias-finais e nunca mais teremos visto um futebol como aquele. Foi a nossa vez de sermos Áustria, Hungria ou Holanda. A uma medida muito nossa.
Já em 2016, quando ganhámos, fizemo-lo em losango, com Adrien, um 6, na posição 10 para que anulasse as grandes figuras dos outros, os médios-centro Renato Sanches e João Mário a fechar direita e esquerda, à frente de William ou Danilo, e Nani a vaguear nas costas de Cristiano Ronaldo. Ricardo Quaresma e a sua trivela tinham de ficar à espera, só havia lugar para dois criativos no plano A. Em 11. Apurámo-nos a empatar, um islandês marcou um golo de que não precisava, ganhámos a outros underdogs para lá dos 90 ou nos penáltis, apenas nos soltámos diante do País de Gales e acabámos a plantar um Maracanazo em plena Paris, graças a uma dupla fezada. A de Fernando Santos no último dos anti-heróis e a de este, de Éder, num remate que não parecia seu, empurrado por todos os que gritaram chuta!, em uníssono e para si próprios, de todos os sítios de onde se falava português no Stade de France. Para lá disso, orações, suor, concentração, rigor e... sorte. Claro que lembraremos essa conquista por ter sido a primeira, porém a história recordará contos mais belos, se os conseguirmos escrever. E temos de conseguir.
Ainda faltam uns meses e acredito que Roberto Martínez já tenha a lista praticamente fechada. Até me parece que deverá ser, habituais birrinhas à parte, a mais consensual de que me lembre se, como esperamos, nenhum azar surgir. E, caso surja, também será seguro afirmar que há vida para lá desta. Bastante, aliás. No entanto, mais importante do que quem esteja ou não na convocatória final, desde que o núcleo duro esteja garantido, é sabermos que há fundamentos para podemos vestir a nossa verdadeira pele, uma pele de gente grande. Então, nessa altura, as palavras de Jon Dahl Tomasson, fossem ou não de circunstância ou motivadas por Portugal ser o próximo adversário em campo, podem ser tão proféticas quanto possível.
A seleção portuguesa não deve ver-se a si mesma como um Manchester City apenas enquanto aglomeradora de talento, mas também como este quando joga de acordo com a sua identidade, não condicionada pelos rivais."
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