"“Ingratidão” p’ra chuchu
No último ano aprendi que o chuchu, pimpinela para os madeirenses, é uma espécie de Cristiano Ronaldo dos quintais, reproduzindo-se enleado numa rede suportada por postes, em unidades, pares, trincas e até cachos de frutos ricos em fibras, vitaminas e sais minerais, num espaço mais apertado do que as grandes áreas de Old Trafford.
São 1200 quilos ao ano, 100 quilos ao mês, 24 quilos por semana e por aí adiante - é fazer as contas. E, outra vez, lembrei-me do contrato de Cristiano na Arábia Saudita, o falso deserto onde as cucurbitáceas deram lugar a videiras de barris de crude nas hortas da Aramco, a empresa mais lucrativa do mundo.
O facto de eu pensar que a caiota dá o seu fruto sem querer outro agradecimento do que a admiração e elogio pela sua fertilidade sem limite, resistindo ao envelhecimento e às adversidades, chega-me como obrigação de gratidão. Ao jantar, nunca rezo “obrigado chuchuzeiro por todas as saborosas e nutritivas sopas que me proporcionaste no passado”, nem me sinto ingrato por algum queixume ou censura que me tenha escapado quando a colheita da semana não atinge a bitola habitual ou o calibre não se figura tão apurado e memorável como é apanágio daquele pé quente de machucho.
Ingratidão para quem reproduz o que está obrigado, por natureza ou contrato, é bajulação. Eu não devo nada ao prolífico pé de “Sechium Edule” do nosso quintal, tal como os portugueses em geral não têm qualquer dívida perene ao nosso melhor chutador do século.
Quando me pagavam sandes, sumol e três pancadinhas nas costas pelas minhas performances sobre pelados regionais, sentia-me pago pelo genuíno agradecimento de quem me retribuía o esforço e o talento na medida justa. Ora, mais de mil milhões de euros de salários e benefícios, mais triliões de 👍 e ❤️ por dia, dão para comes e bebes e massagens ao ego que cheguem para agradecer a Cristiano Ronaldo até ao terceiro milénio, pelo menos.
É certo que marcou golos “p’ra chuchu”- como dizem os brasileiros - ao longo de uma carreira inolvidável, mas também foi recompensado pelo seu trabalho e dedicação com uma vida de bençãos, tesouros e mordomias que bastariam a qualquer comum mortal para, ele sim, se sentir humildemente agradecido.
Como um fenómeno reactivo, “Ingratidão” foi uma das palavras de 2022, perante a corrente de censura tímida às múltiplas diatribes do jogador, dentro e fora dos relvados, pelos que o colocam acima dos mortais comuns contra os “hipócritas” que se limitam a aplaudi-lo quando faz bem e a censurá-lo quando faz asneira.
Nos círculos do ronaldismo fanático, apontar erros a Cristiano tornou-se tão herético como Dona Georgina passarelar modelos sem hijab nas discotecas de Riade.
No futebol, a gratidão é coisa do momento, colhe-se, agradece-se e guarda-se em lugar seco e quente. Aplaude-se, celebra-se, ajunta-se às memórias felizes - e chega como quitação.
Amanhã, haverá novas emoções, novas descobertas e, de certo, um novo xuxu na nossa rede de afectos futebolísticos.
A seguir: J de Jornalixo"
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