"Bernardo Silva é quase tão lúcido a falar como com a bola nos pés. E o quase resulta apenas de ser incomparável com a bola, na capacidade de decifrar enigmas, esconder fragilidades e improvisar soluções. Aquele que é provavelmente o melhor futebolista português da atualidade falou do jogo, do jogo ele mesmo, numa entrevista ao Record, com uma qualidade no discurso – e coragem, já agora – rara em jogadores que atingem a sua dimensão. Muitos só falaram bem com os pés, abordando sempre os temas referentes ao jogo de modo básico ou como matéria restrita ao mundo insondável do balneário. Acrescentando-nos pouco. Bernardo não fugiu a nenhum tema quente – como a situação de Ronaldo ou a relação com o Benfica e a presidência de Rui Costa – e sobretudo deu mais uma lição de entendimento do jogo. E já nem era preciso.
Gostei particularmente de distinção feita entre as características próprias e as de Bruno Fernandes. Quando tantos percecionam – ainda recentemente, no Mundial - quase um problema de compatibilidade entre ambos, Bernardo traçou a diferença fundamental em duas penadas e com uma humildade que desconcerta: ele joga melhor mais atrás e Bruno mais à frente, ele vê-se como organizador e a Bruno como definidor (de último passe ou finalização). E mesmo reconhecendo que é maior o protagonismo de que joga adiante no campo, pelo número acrescido de assistências e golos, como sucede com Bruno Fernandes mas também como De Bruyne no City, não o fez reclamando esses lugares, mas reconhecendo que pode ser mais útil noutras funções, menos amigas das estatísticas.
Se houve crítica individual injusta após o Mundial foi a que colocou – e vários o fizeram – Bernardo Silva como uma desilusão ou um dos portugueses aquém do rendimento esperado. Sem embargo da exuberância maior de Bruno Fernandes e João Félix, ninguém foi tão regular, mais uma vez ninguém fez o que era certo durante mais tempo que Bernardo Silva. Numa equipa por vezes desarrumada, assumiu-se sempre como o funcionário diligente, sempre que o jogo se partia, foi a cola indispensável entre os diversos momentos. Portugal não encantou, só brilhou pontualmente, mas foi dominante em todos os jogos e em muito o deve ao cérebro da camisola 10.
A propósito do número da camisola, Bernardo foi também, efetivamente, o único 10 em campo. Por muito que se veja a função em vias de extinção, se alguma coisa a distinguirá sempre é a capacidade de organizar e definir ritmos, de servir mais que finalizar, de pausar em vez de acelerar como prioridade. Bernardo é uma coisa, Bruno outra, ambas naturalmente admiráveis. E Otávio, já agora, outra ainda, espécie de canivete suíço luxo, tão forte capaz após a recuperação como depois da perda de bola (vulgo transições), mas não um daqueles a quem se entrega a bola para “pensar o jogo”. E João Félix então é mesmo de outro espaço, é um avançado, móvel mas sempre um avançado e nunca um médio como os demais, tão versátil que pode ser 9 ou 9,5 e até extremo como disfarce, mas nunca 10. Se Portugal algum problema teve, não foi o de ter muitos jogadores em campo com características idênticas, foi antes ter vários jogadores diferentes a tentar fazer coisas parecidas. Não foram os jogadores que condicionaram a equipa, antes a intencional organização desorganizada que lhes terá baralhado as funções além do recomendável. Colocar os melhores em campo nunca deveria ser um problema."
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