Últimas indefectivações

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O segredo está na massa


"Sinto-me apoiado por um dos maiores. Depois de tantas crónicas a perorar em nome do talento, que pode estar nos mais jovens, baixos e franzinos, tanto como nos mais velhos, altos e encorpados (que fazem a preferência de uma maioria, não ignoro), surge Valdano, que escreve como pouca gente mas que antes jogou, treinou e dirigiu ao nível de menos gente ainda, a valorizar meninos ladinos feitos de arte - Ansu, Pedri, Rodrygo, Vinicius, Kubo e Yunus - que “desequilibram jogos adultos”, porque “a única coisa realmente adulta é decidir bem, executar com precisão e não ter dúvidas”, para concluir que a sistematização e as regras “fazem dos gregários muito bons gregários, o que é genial, mas fazem dos artistas também muito bons gregários, o que é uma calamidade”. Escreveu em “A Bola”, mas escreveu tão bem que merece ser lido de novo.
Ainda por cima estamos no país em que Felipe Anderson “só pode” jogar mais vezes no Porto quando defender melhor ou em que Everton Cebolinha anda a fazer treinos a lateral no Benfica (talvez valesse mais a pena que alguns laterais, como os sofríveis Gilberto e Nuno Tavares, treinassem como extremos, embora não acredito que lhes valesse de muito). Não faz sentido que numa equipa grande, particularmente numa dessas, se pense sempre mais no que o jogador pode contribuir sem bola do que pelo que garante com ela. Eu quero é ver Anderson ou Cebolinha a arriscarem em posse, a multiplicarem diabruras que encantam e não a assumirem comportamentos formatados ao alcance de qualquer burocrata. Por isso é bom ver à solta o talento de Pedro Gonçalves no Sporting, Pote de ouro a quem já ninguém reclama “mais experiência”, quando por uma vez os leões foram mais espertos a perceber o que brilhava no fim do arco-íris. E comprovar de novo que o elemento decisivo pode estar num corpo de 1,73m e 68 kg, muito na linha de Bruno Fernandes, o insubstituível que já não é. E também há ouro de brilho verdadeiro em Angel Gomes, o Midas que muda o jogo do Boavista, ou em Ryan Gauld, acima de todos os outros num Farense que já merecia ser feliz. Vale uma aposta que se tivessem mais de 1,80m já eram capas de jornais como alvos de Inverno de um qualquer grande emblema, português ou estrangeiro?
Vejo o treinador do Tondela reclamar mais “intensidade” para que o rendimento melhore, como vejo Rogério Ceni chegar ao Flamengo e prometer mais “físico” para pressionar muito e atacar sempre. Interrogo-me se acreditam mesmo que é pelo pulmão que vão melhorar a qualidade de jogo. É que se a maior parte das equipas técnicas estuda pelos mesmos livros e acrescenta idêntica tecnologia complementar – gosto de pensar que é apenas “complementar” – que sentido faz crer que é na condição atlética que se vai fazer a diferença? O segredo está na massa, dizia um antigo anúncio de pizzas. Também aqui está, na massa cinzenta, de quem pensa o jogo e o treina, e na de quem o executa. Por isso, quando lhe perguntaram pela “adaptação física” de James Rodríguez à Premier League, Carlo Ancelotti respondeu que se fosse essa a preocupação teria contratado Usain Bolt. Acrescento que teria perdido aquele que é, de longe, o melhor jogador da equipa."

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