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quarta-feira, 20 de maio de 2020

O domingo das lágrimas azuis

"Talvez o mais duro dos títulos benfiquistas: o de 1955. A quatro minutos do fim, nas Salésias, o Belenenses era campeão. Depois, Martins (Sporting) fez o enorme. Lado a lado no primeiro lugar na tabela, com 39 pontos, a vantagem foi para o Benfica, que ganhou ao Atlético por 3-0

'Último capítulo de um romance de vibração que nos prendeu a todos até a derradeira página', podia ler-se na capa do Diário de Lisboa.
E continuava: 'Na realidade, o fecho do torneio, com aspectos de verdadeira girândola final, disputou-se em condições inéditas, com o ambicionado título a gravitar entre três das mais poderosas equipas. Pode dizer-se que nunca, como se verificou hoje, o desfecho da grande prova esteve dependente de dois encontros jogados no último momento. E avalie-se o frisson de que deviam estar possuídos os componentes das quatro equipas que tinham nas mãos o desempenho dos papéis principais'.
Dia: 24 de Abril de 1955.
Facto mais destacado da jornada: se o Belenenses vencesse o Sporting nas Salésias, seria campeão nacional.
O Sporting tinha ainda a hipótese ínfima de ser campeão: precisava de vencer em Belém e esperar pela derrota do Benfica em casa, frente ao Atlético.
O Benfica precisava de bater os de Alcântara e esperar que o Belenenses não ganhasse: tinha vantagem no confronto directo no caso de ficarem ambos empatados.
Aos 31 minutos, Águas fez 1-0 na Luz.
O Benfica ia cumprindo o seu trabalho. De ouvidos postos nas Salésias, os espectadores sintonizavam os radiozinhos de pilha. As notícias não eram boas. O jogo era de equilíbrio, mas o Belenenses superiorizava-se aos leões.
Logo aos 3 minutos, o argentino Perez, a passe de Dimas, já tinha batido Carlos Gomes. Preparava-se a grande festa azul. Repetir-se-ia a romaria de 1946?
O ataque encarnado caía sobre a defesa de Alcântara com a teimosia de um martelo pneumático. Germano era um gigante com a camisola branca, barreira inicial de protecção à baliza de Ernesto.
Arsénio, Coluna, Águas e Zezinho estavam irrequietos, excitados como uma alcateia de lobos famintos. Não seria por eles que o Benfica iria perder o campeonato.
As notícias que vinham lá da beira-Tejo era agradáveis. Albano empatara, de penálti, os encarnados estavam na frente desta corrida vertiginosa.

O delírio do público
Logo no início do segundo tempo, Calado recebeu uma bola na directa e forçou a confronto directo com Vítor Lopes. O cruzamento saiu alto, Ernesto atirou-se com precipitação, a bola foi bater o joelho de Germano e entrou na baliza deserta.
Que injustiça para Germano, esse defesa elegantíssimo que precedeu em estilo todos os Beckenbauers que haveriam de surgir na década seguinte.
Já ninguém tinha dúvidas quanto ao vencedor do encontro da Lua. No minuto seguinte, Águas com um pontapé firme, fez o 3-0.
A partir, cada vez mais, era tempo de aguçar os ouvidos. Nas Salésias, o jogo ferve. Está por cima o Belenenses, Di Pace fura por aqui e por ali com as suas fintas primorosas, Matateu é sempre um perigo constante.
De cabeça, faz o 2-1. Dimas novamente decisivo.
E Matateu, claro, sempre Matateu. É ele que, aos 22 minutos do segundo tempo, marca novo golo que é de pronto anulado pelo árbitro. Domingos Miranda, do Porto. Protestos agressivos do povo. Os remates do moçambicano são frequentes e perigosos. Mas carecem de pontaria.
Talvez isso tenha feito os leões acreditarem...
Faltam quatro minutos para o final dos jogos. Mokuna, o Fura-Redes, avançado vindo do Congo Belga, tem um dos seus pontapés tonitruantes. José Pereira defende como pode. Martins aproveita e faz 2-2 na recarga.
Na Luz, o golo do Sporitng foi recebido com foguetes. Uma onde entusiasmo tomou conta dos adeptos e estendeu-se aos jogadores. Houve alguns espectadores que invadiram o campo, procurando abraçar os seus atletas, a confusão instalou-se por momentos, o jogo foi interrompido, a polícia teve de intervir.
Os últimos minutos são simples pró-forma. O Benfica já é campeão quando o árbitro apita para o final. O relvado foi tomado de assalto. Os jogadores encarnados e o seu treinador, Otto Glória, são levados em ombros. As aclamações enrouquecem gargantas. Atiravam-se serpentinas, gritava-se 'Viva o campeão!', toda a gente se abraçava numa alegria incontida.
O cronista estava lá e registou, no meio do salsifré: 'Finalmente acabou esta arrasante campeonato - e em glória! A vitória do Benfica, que fez delirar, muito humanamente, a multidão incontável dos seus entusiásticos adeptos, assenta bem no brioso grupo dos encarnados, com o aliciante de o último passo para a sua conquista ter sido dado no belo anfiteatro da Luz, como padrão eloquente do esforço generoso do grande clube português'.
Nas Salésias, sobravam lágrimas.... Azuis."

Afonso de Melo, in O Benfica

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