"Nos últimos dois meses, o Desporto, tal como a sociedade em geral, viveu um turbilhão de acontecimentos sem paralelo na sua história. Uma paralisação quase total da sua actividade em termos mundiais, com o adiamento ou cancelamento de quase todas as competições, incluindo os Jogos Olímpicos, colocando ao mundo desportivo um conjunto de novos e enormes desafios.
É justo destacar a responsabilidade com que a generalidade do movimento desportivo nacional encarou esta ameaça. Perante o desconhecido, ainda antes de decretado o Estado de Emergência, entendeu a dimensão do problema, suspendendo a sua actividade competitiva e não competitiva.
O momento tem-se revestido de enorme exigência para os atletas. Abdicar das suas “viscerais” rotinas de exercício, mantendo a sua forma física e saúde mental; cuidar da composição corporal, apesar do reduzido gasto energético que a sua nova condição impõe; manter acesa a motivação dos grandes objectivos, num clima de enorme incerteza, sem saber quando poderão voltar a competir. Por seu lado, os treinadores improvisaram como nunca, acompanhando os atletas por vias digitais. Era algo para o qual ninguém se tinha preparado.
A primeira resposta não poderia estar mais à altura. Na verdade, os atletas demonstraram que as competências adquiridas ao longo de anos de treino desportivo são transferíveis muito para além dessa esfera. A disciplina e resiliência desenvolvidas em registo de adversidade como em poucas outras actividades são instrumentos para enfrentarem este inédito desafio de uma forma exemplar, comprovando o inestimável contributo formativo do Desporto, que vai muito para além dos atletas de elite e é igualmente válido para a generalidade dos praticantes de base, como é comprovado em inúmeros estudos.
Paradoxalmente, esta semana foi publicado um estudo de cinco universidades, realizado em parceria com o Instituto Português do Desporto e Juventude, que confirmou um aumento do número de indivíduos a praticar exercício físico e do tempo a ele dedicado durante o período da pandemia. Talvez nunca, como agora, a população tenha sentido “na pele” a importância do exercício na promoção de hábitos de saúde.
Estamos em fase de desconfinamento progressivo e o Desporto não é excepção. Na generalidade das modalidades são, para já, os atletas de Alto Rendimento os primeiros a regressar. É fundamental que este regresso seja promotor da confiança não só destes atletas e dos seus treinadores, mas também de todos aqueles que, não podendo ainda treinar, possam vislumbrar a tão desejada “luz ao fundo do túnel”. Ou seja, cumprindo as normas gerais de saúde e específicas para a sua actividade física, afinando igualmente procedimentos para o regresso dos restantes, quando o desenvolvimento da pandemia assim o permitir.
Confidenciava-me esta semana um treinador que se tinha sentido “protegido” no seu regresso ao local habitual de treino, com os procedimentos que aí foram implementados. Pois é exactamente essa confiança, baseada nos procedimentos validados pelas entidades de saúde, que é necessário restabelecer com todos os intervenientes. Porque, quando for possível regressar com segurança, será importante resgatar a dos praticantes de todos os escalões e níveis de prática de todas as modalidades, sejam indoor ou outdoor, e dos seus familiares. E a experiência que for sendo adquirida será fundamental neste processo.
Sabemos que este será um processo longo, faseado, assimétrico e, possivelmente, com alguns retrocessos. Mas que será necessário percorrer. Até porque estamos a falar da sustentabilidade de uma actividade estruturante da nossa sociedade, tal como ficou espelhado nesta pandemia. Por todas as suas valências, das quais se destaca o seu papel formativo, social e de promoção da saúde pública.
Por tudo isto e pela enorme incerteza do contexto, será imperioso implementar um plano de recuperação para o Deporto. E é importante que nesse plano haja a participação de todos. Do Governo às Autarquias, das Federações às Associações, até chegarmos à Sociedade Civil.
Mas a chave para se ultrapassar esta situação será a sustentabilidade dos clubes, as células básicas do tecido desportivo. Já imaginou o impacto que teria para a sua comunidade, desde crianças a idosos, se os clubes da sua freguesia, do seu município, tivessem que fechar portas no início do próximo ano lectivo, por ausência de inscrições, numa situação que todos sabemos ser temporária? Que outras entidades poderiam substituir o seu papel? Teríamos novos clubes a abrir? Quando? E como?
Esta deverá ser, igualmente, uma oportunidade de reinvenção do próprio Desporto, não só dos seus modelos de financiamento e gestão, mas também na área técnica e da qualidade do seu serviço, melhorando a sua intervenção, baseando-a num modelo cada vez mais assente numa perspectiva de longo prazo e tendo o desenvolvimento da pessoa (atleta) no centro do processo, valorizando a posição fulcral do treinador (muito frágil, no actual contexto), colocando-o igualmente no centro dessa mesma equação.
Neste contexto, impõe-se um plano de recuperação a partir de medidas como aquelas que o COP recentemente apresentou ao Sr. Primeiro-Ministro, onde se propõe uma distribuição mais solidária das receitas das apostas desportivas e jogos sociais para a criação de um fundo extraordinário de apoio ao Desporto nesta fase tão delicada. Medidas como esta, aliadas à confiança que o sistema desportivo conseguirá incutir de uma forma generalizada na população, poderão alavancar a esperada recuperação desta área.
Dentro de toda esta incerteza, há algo que parece seguro: tudo isto terá um fim. Que tenhamos nessa altura, apesar das “cicatrizes”, um sistema desportivo intacto, porventura mais ainda preparado para continuar a desempenhar o seu inestimável papel na nossa sociedade."
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