"Lembranças de Sven-Goran Eriksson, o treinador que revolucionou o futebol em Portugal. Do seu descaramento divino e da sua profunda tristeza na Luz e em Gelsenkirchen. Sempre educado, sempre contido, fosse o que fosse que lhe ia por dentro
Recordam-se daquele episódio de Os Mais? Obra-prima de humor e do sarcasmo. O ministro está à conversa com o Carlos e com o Ega e, de repente, sai-se com esta pergunta séria, própria de ministro:
- Ò Carlos, você que é um homem viajado, diga-me: em Inglaterra há romancistas de talento, folhetinistas de pulso?
E o Carlos com um descaramento divino
- Pois fique o senhor ministro sabendo que em Inglaterra não há literatura!
O outro, aprovando tamanha sabedoria:
- Logo vi. Logo vi. Um povo essencialmente prático!
Descaramento divino. Uma vez, o Toni, António Oliveira de Mogofores, meu irmão bairradino, coração do tamanho do mundo, estava a contar-me episódios dos primeiros tempos de Eriksson no Benfica e falou-me do jogo inicial dessa edição da Taça UEFA. O Bétis tinha vindo à Luz, saíra de Lisboa com uma derrota aceitável para as suas pretensões (1-2) e prometia sérios sarilhos para o Benito Villmarín, ali na Avenida de Heliópolis, em Sevilha, no jogo da segunda mão. Não havia motivo para euforias no balneário, no gabinete dos treinadores reinava o silêncio, o Toni resolveu puxar pela língua de Sven-Goran, a quem os jogadores tinham posto a alcunha de Periquito, coisa a que ele não achava grande piada. Perguntou-lhe, portanto, o que tinha achado do jogo. E o sueco, com um descaramento divino, igualzinho ao do Carlos da Maia na taramela com o ministro:
- Pelo que estou a ver, temos tudo para ganhar esta taça.
Tristeza a dobrar
O bom do Toni ficou meio sem jeito. O Benfica não sabia o que era um final europeia desde 1968, já íamos em 1982, nada levava a crer que esse fosse o ano da retoma, ainda por cima depois de um resultado desiludente em casa contra um adversário forte.
Pois o Periquito estava-se um bocado nas tintas para essa idiossincrasia tão lusitana de esperar sempre pelo pior antes de desejar o melhor. Uma espécie de medo de ser feliz, ou coisa que o valha. Quinze dias depois foi a Sevilha ganhar outra vez por 1-2 e iniciou um percurso de luxo que só soube o que era a derrota na primeira mão da final, em Bruxelas, frente ao Anderlecht.
Convenhamos que Eriksson limpou a cabeça do futebol em Portugal. Depois da revolução de mentalidade que impôs no Benfica, ela alargou-se a todo o país, e basta ver os resultados europeus das equipas portuguesas e da selecção nacional nos anos imediatos.
Conheci bem Sven-Goran Eriksson e vivi com ele momentos interessantes. E vi-o perder muito do seu descaramento divino nos corredores do Estádio da Luz e de Gelsenkirchen. A primeira vez em 2004, depois do fantástico Portugal - Inglaterra decidido com a penalidade de Ricardo. A segunda, em 2006, nos quartos-de-final do Campeonato do Mundo. Eu trabalhava na selecção nacional e, no final de outra decisão por grandes penalidades, encontrei-o à porta do balneário dos ingleses. É preciso dizer que esses ingleses não eram tão essencialmente práticos como o ministro do Eça de Queirós queria crer. Tremiam como varas verdes em frente do Ricardo, que defendeu três. Uma barbaridade! Eriksson estava deprimido como nunca o tinha visto. Percebera que o seu ciclo à frente da equipa da Inglaterra tinha chegado ao fim. E Portugal, o país cujo futebol ajudara tanto a evoluir, era o responsável por isso. Ficámos um bocado calados, eu a entender a sua angústia, tal como tinha acontecido dois anos antes. Um episódio que se repetia. A minha alegria contida para, de alguma forma, respeitar a tristeza de um amigo. Depois ele limitou-se a dizer:
- Bom. Calculo que esta tenha sido uma despedida. Não devemos voltar a encontrar-nos noutra situação igual. Duas são suficientes para mim.
Apertámos as mãos num magnífico shake hands. Era a sua forma de mostrar consideração. Nunca gostou de grandes manifestações de ternura. Enfim: um homem essencialmente prático."
Afonso de Melo, in O Benfica
Rectificação : " o Benfica já não via uma Final...desde 1968,( e não 1967...); perdemos 4-1 no prolongamento, contra o Man. United de Bobby Charlton, Allan Ball, Geoffrey Hurst, Bobby Moore e o "enorme" George Best. Na baliza estava o Peter Bonneti que defendeu um tiro do Eusébio mesmo á queima roupa, sem saber como , a acabar o tempo regulamentar, com o resultado em 1-1 . Foi Jaime Graça que marcou, tendo Eusébio jogado com o joelho ligado No prolongamento, como era habitual na altura contra equipas Inglesas...o George Best partiu-nos pelo meio , com José Henrique a não poder fazer nada.
ResponderEliminarEm 1967, a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus jogou-se em...Lisboa no Estádio Nacional. Defrontaram-se o Celtic de Glasgow e o Tnter de Milão : ganhou o Celtic pour 2-1 e toda a gente aplaudiu, em Portugal e no resto da Europa, porque o siduema do Inter era o Catenaccio ( o cadeado…, que nos tempos de hoje chama-se Autocarro...), tática irritante inventada pelo Helenio Herrera e muito praticada pelas equipas Italianas. Foi a 1a. vez que vi jogar um futebolista com óculos...o EXCELENTE extremo direito Johnson que foi o melhor em campo.
ResponderEliminarObrigado Sarilhos, já rectifiquei o erro do Afonso.
ResponderEliminarAbraços