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terça-feira, 26 de novembro de 2019

Os homens da montanha desceram ao vale do Jamor

"Benfica contra Sporting da Covilhã pode não ser um clássico. Mas faz parte da história do futebol português. Em 1957 jogaram a final da Taça de Portugal. É difícil encontrar um jogo mais nobre.

Uma multidão! Isso mesmo: uma multidão! Não para ver um Benfica-Sporting ou um Benfica-FC Porto, nem sequer para um Benfica-Belenenses. Uma multidão arrostou o caminho até ao vale do Jamor, nessa tarde de 2 de Junho de 1957, para ver o Benfica defrontar o Sporting da Covilhã numa inédita final da Taça de Portugal. Inédita até hoje.
Faltavam 15 minutos para o jogo começar e ainda havia gente a invadir a Praça da Maratona.
Ângelo Ferrari era o presidente da Federação Portuguesa de Futebol. Serviu de anfitrião. Com todos os requintes.
Era um tempo em que se entregavam medalhas comemorativas a todos os jogadores.
O Benfica atacou à bruta desde o primeiro minuto. Convenhamos: era a sua obrigação.
Mas foi Bastos o primeiro a ver-se em sarilhos por causa de Manteigueiro. Belo nome, este: Manteigueiro. De manteiga não tinha nada. Era agressivo, bruto, furioso.
Ângelo, sempre Ângelo, tudo nele era garra, tudo nele era vontade, disputa uma bola com um adversário: de tal forma, que a bola rebentou. Ficou micha. Veio outra.
Aos 12 minutos, Coluna foi Coluna, e Águas foi Águas. O passe, a categoria. De Águas para Salvador, que de repente, enfrenta o guarda-redes do Covilhã, Rita. Rita era terrível! Um lutador impenitente. Foi sempre assim. Mas Salvador conhece-o: sabe que vai sair furioso à bola que aproxima. Pica com um gesto simples a bola sobre ele e vai buscá-la do outro lado. A baliza está vazia. O golo é inevitável.
E agora?
Martim assume-se como a imagem da revolta dos homens da montanha. Luta, batalha, briga com todos os opositores, quer empurrar a sua equipa para a frente. É mais desespero do que categoria.



Natural superioridade
A bola anda ali, de um lado para o outro, à espera de quem a trate bem. A bola é feminina. É caprichosa. Gosta de ser tocada com ligeireza, com ternura. E obedece aos mesmos.
Águas é um amante da bola. Há algo que ela não faça por ele?
Recebe-a com carinho. Condu-la para a baliza com um toque tão simples como perfeito: 2-0.
Já ninguém tem dúvidas: o Benfica vai ganhar.
Mas ninguém pense que os serranos se entregam.
Pires recebe a bola à entrada da área do Benfica. Sente uma raiva funda por dentro. Transfere essa raiva para o pé direito. O pontapé é tremendo e indefensável.
Ah! Ainda há jogo; ainda há jogo. Acreditem ou não, estavam decorridos apenas dezoito minutos. Parecia uma eternidade.
Rita está no melhor de si próprio. Águas e Cavém obrigam-no a defesas tremendas.
Os rapazes da Covilhã entram para a segunda parte redobrados de força e entusiasmo. Será suficiente?
De um lado e do outro há ataques e contra-ataques. O povo está feliz. Foi por isso que encheu o Estádio Nacional.
Correm os 20 minutos do segundo tempo. Os encarnados são senhores dos acontecimentos. Atacam com velocidade e sem piedade. Querem resolver a questão do resultado a seu favor. Cabe aos covilhanenses defenderem-se até ao esgotar das energias. Durante alguns minutos parecem ser capazes de encostar, numa alteração terrível da realidade, os seus adversários às cordas. É o momento decisivo!
Ou o Covilhã chega ao empate, ou será derrotado.
Rita tem uma defesa fantástica a centro de Palmeiro.
O Benfica já sofreu o que tinha de sofrer. À beira do fim, toda a gente, no Jamor, entende que não há solução para os homens da montanha.
Palmeiro foge a um adversário, pela direita. Tem tempo para compreender a movimentação de Coluna. Dirige-lhe a bola de bandeja, croquete, palito e tudo. Mário Coluna ergue-se, negro, enorme, como se fosse feito de vinil. A sua cabeçada é insuportável: Rita que o diga.
O resultado está fechado: 3-1.
O Sporting da Covilhã, a despeito da derrota, vive momentos únicos da sua vida. Agora, está à beira de receber o Benfica outra vez. Como se a história se repetisse...
Não repete. Mas não vamos perder este novo jogo. Tem história. Está cheio de história!"

Afonso de Melo, in O Benfica

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