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terça-feira, 22 de outubro de 2019

A Pantera nunca engoliu o elefante

"O Luxemburgo veio jogar a Portugal... e, de imediato, lembrei-me de Eusébio

Coitado do nosso amigo sr. Ferreira: tinha um elefante do tamanho do Luxemburgo para engolir e nunca engoliu.
É que foi frente ao Luxemburgo, precisamente que teve a sua primeira oportunidade de jogar com a camisola dos cinco escudos azuis, a da selecção nacional. E do mal, o menos: marcou logo um golo.
Fase de qualificação para o Campeonato do Mundo de 1962, no Chile: Portugal estava no Grupo 6, com Inglaterra e Luxemburgo.
Realizara dois jogos em casa: vitória sobre o Luxemburgo (6-0); empate com a Inglaterra (1-1). Os ingleses tinham feito melhor: 9-0 e 4-1 ao Luxemburgo. Portugal estava assim, e para já, em desvantagem.
A imprensa gostava de chamar ao Luxemburgo a Cidade das Fadas ou Cidade de Opereta, por causa daquela arquitectura barroca, tão especial.
É uma cidade bonita, a Cidade do Luxemburgo.
O primeiro jogo de Eusébio por Portugal foi um dia triste. Muito triste para ele. Acreditem. O próprio mo contou.
Dia 8 de Outubro de 1961: a selecção nacional de Fernando Peyroteo era uma equipa de risca ao meio. Isto é: defesa à base do Sporting; ataque à base do Benfica. À frente de Costa Pereira, jogavam Mário Lino, Morato, Lúcio e Hilário, todos do Sporting. No meio, um benfiquista, Coluna, e um sportinguista, Pérides. Eusébio jogava na frente, com Yaúca, do Belenenses, Águas e Cavém.
Era o tempo de o 4-4-2 substituir por completo WM.
José Augusto e Santana tinham ficado em Lisboa. Fora de forma, justificara Peyroteo, agora um pouco surpreendentemente no cargo de seleccionador.
Aos 56 minutos, era o escândalo completo: um hat-trick de Schmidt; 3-0 para o Luxemburgo!!!
Ora batatas!

Que vergonha!
Eusébio vivia minutos tão tristonhos como toda a equipa, tolhido pela incapacidade de ultrapassar o vigor e o entusiasmo luxemburguês. Só que o seu talento inesgotável lançava-o para além de uma vulgaridade que se prendia aos gestos individuais e colectivos como um nevoeiro pegajoso das charnecas da velha Inglaterra.

A oito minutos do fim, arranca pela direita, junto à linha lateral, e vai levando a bola para o centro, driblando primeiro um, depois outro, e ainda outro adversário. O remate de pé esquerdo é tremendo: golo. De pouco serve. Hoffmann faz 4-1; Yáuca, 4-2.


Ingleses atentos!
No dia seguinte, a imprensa derrete a selecção.

E com razão, convenhamos.
Perder desta forma bruta contra os amadores do Grão-Ducado não lembrava ao mais pintado.
Peyroteo ainda solta um grito desesperado: 'Vamos ganhar a Inglaterra!'
Nenhum anjo bondoso o ouviu.
Eusébio não foge às críticas duras: que lhe falta experiência; que sem os remates fulminantes não disfarça faltas importantes; que não conseguiu ser o interior de ligação que teria sido, certamente, Santana. Vindo em peso do outro lado da Mancha para espiar o próximo opositor da selecção inglesa, a imprensa britânica não parece ter a mesma opinião. O prestigiado jornalista Peter Lorenzo, enviado-especial ao Luxemburgo, escreve no Daily Herald: 'O desfecho deste encontro é um dos maiores choques do futebol europeu e mundial. (...) Eusébio, o novo jogador-maravilha dos campeões europeus, começou a jogar como um mestre e marcou um soberbo golo de vinte e cinco metros'.
A paixão dos ingleses por Eusébio começava aí. A sua exibição em Wembley, quinze dias depois, torná-la-á ainda mais forte. Irá durar para sempre.
O Chile ficava agora demasiado longe.
Portugal confrontava-se com a pequenez do seu futebol: não havia gente capaz de substituir José Augusto e Santana; ninguém estava à altura do lesionado Germano.
Eusébio estava profundamente triste.
Mas foi sempre um campeão, nunca se resignou.
Poucos dias depois estrear-se-ia em Wembley, perante o exigente público britânico e com chusmas de jornalistas loucos para o verem ao vivo.
A sua desforra não tardaria a chegar.
O rapaz de Moçambique entraria em Londres como um rei. Retinta e divinamente negro!
(continua na próxima edição)"

Afonso de Melo, in O Benfica

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