"Na passada semana dois dos maiores símbolos do desporto mundial quebraram recordes para muitos inimaginaveis.
Até aqui, nada a estranhar, os recordes existem para serem desafios a ultrapassar, e todos os dias são “batidos”.
A singularidade passa por, serem recordes que revelam uma enorme consistência de carreira - mais de 10 anos no topo mundial, a elevar a qualidade do desporto que representam e transformando-se em lendas para as gerações sucedâneas - e por terem sido alcançados por mulheres:
Simone Biles acaba de atingir o feito de ser a Atleta com mais condecorada em campeonatos do mundo (21 medalhas de ouro, mais precisamente).
Allyson Felix ultrapassou o recorde mundial (detido anteriormente por Bolt), alcançando as 12 medalhas de ouros, apenas 10 meses depois de ter sido mãe e de ter avançado com um processo com a Nike que, ao saber que estaria grávida, procurou reduzir os seus valores contratuais.
Não sendo o propósito deste artigo levantar uma temática de género – se fosse esse o caso, teríamos até casos mais “escandalosos” onde, por exemplo, a melhor atleta de futebol brasileiro (Marta), apesar de ter indicadores de rendimento muito superiores ao, considerado por muitos, melhor atleta homem (Neymar), acaba por receber cerca de 1% do vencimento deste – importa introduzir alguma reflexão.
Assim, de repente, passa-me pela cabeça “O que será que as mulheres terão que fazer para ter a atenção das marcas e dos media?”
Possivelmente, nada. Possivelmente, manterem-se fieis a si próprias e ao seu compromisso e profissionalismo.
O que tem que mudar mesmo, são os quadros de referência de quem, em posições de decisão dentro das grandes empresas, possam vir a tomar posições de influência sobre o actual paradigma.
E, aqui, se estivéssemos a falar “apenas” de um tema de género, a reflexão ainda se complicaria mais, na medida em que existem, de facto, muitas mulheres em cargos de poder e decisão (nas empresas e nos media) que, em boa verdade, também nada fazem.
Um tema de “género” ou uma enorme incapacidade do tecido empresarial (e media) em se envolverem em projectos onde o retorno possa vir a médio-longo termo?
Actualmente, toda a cultura desportiva está virada maioritariamente para o desporto masculino – é daí que advém o retorno do valor investido mais rapidamente.
Torna-se, por isso, difícil de definir qual o denominador com mais peso: género ou, pura e simplesmente, incapacidade de projecção a médio/longo prazo?
Não recordo mesmo, ter alguma vez ouvido “empresa investe X milhões a apoiar o desenvolvimento de uma academia de formação”.
Nunca.
Numa análise um pouco “rude” lembro-me de uma imagem que uma vez um atleta profissional me trouxe:
“Há quem se associe ao Sucesso tipo “mexilhão” – vai agarrado.”
Adorei a imagem por ser uma excelente tradução da nossa (infeliz) realidade.
Em boa verdade, as empresas associam-se aos atletas e desporto “tipo mexilhão” – ou seja, a sua capacidade de serem parceiros e catalizadores da sua optimização é nula, aparecendo apenas quando o atleta/a modalidade já revela sucesso.
Não posso deixar de olhar com estranheza para este tipo de estratégia – empresas que preferem ser “o mexilhão”, em vez de serem o catalisador do sucesso (bizarro mesmo).
Recordo, com saudades, o discurso de um CEO de uma empresa nórdica que, envolvendo-se como principal “sponsor” num projecto onde estive envolvida e, como resposta às críticas referentes à prestação das atletas em competições internacionais, no discurso de abertura desse mesmo projecto referiu:
- “No meu país, há 15 anos as empresas uniram-se para dar uma oportunidade às atletas desta modalidade, assumindo claramente o processo de sponsorização da mesma – há 2 anos, fomos campeões olímpicos”.
Ora bem, este discurso tem 20 anos... o que quer dizer que ele se estava a referir a algo que aconteceu há 35 anos.
35 anos.
Lamentavelmente, esta é a realidade.
Lamentavelmente, não recordo interesse das empresas ou dos media na promoção de qualquer tipo de desporto e/ou atleta cujos “frutos” a recolher sejam vistos a médio ou longo prazo.
Lamentavelmente, não é sequer um tema do “desporto” mas sim da nossa Sociedade (expresso em todas as áreas: empresarial, académica e, inclusive pessoal) que precisa, urgentemente, ser alvo de uma reflexão crítica.
Melhor dizendo, se calhar, o que falta mesmo é passarmos do “pensar” para o “fazer”.
Urge, mesmo, Mudar."
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