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sábado, 13 de julho de 2019

“Antes do jogo com o FCP pus no Face: ‘ótimo dia para dois golos’. O mister fez-me apagar o post, eu fiz o bis. A minha confiança é anormal”

"Há quatro anos, Hugo Vieira viu o primeiro amor da sua vida, Edina Carvalho, perder a batalha contra o cancro e diz ter percebido que o importante é ajudar os outros e viver o presente. Andou por Espanha, Japão e agora Turquia mas foi na Sérvia que encontrou o amor por uma sérvia que lhe deu uma nova razão de viver: a filha Bianca. Confessa que era um miúdo traquina, muito convicto das suas ideias, que queria ser adulto depressa. O avançado de 31 anos que já tem uma agência de viagens e uma empresa no ramo imobiliário, revela pormenores da sua vida, afirma que sempre que diz que vai marcar golo, marca, e conclui que o futebol português está pior do que quando saiu para o estrangeiro

Nasceu em Barcelos. O que faziam profissionalmente os seus pais?
O meu pai era operário têxtil e a minha mãe trabalhava num armazém de revenda de decoração.

Tem irmãos?
Tenho duas irmãs mais novas, a Patrícia e a Letícia.

Cresceu onde?
Cresci numa casa, que é a casa dos meus pais, em Galegos de São Martinho.

Tinha alguém na família ligado ao futebol? Quando começa o amor pela bola?
Curiosamente, não. Bem, tenho tios que jogavam mas nunca foram profissionais. A minha mãe diz que eu comecei quando ainda estava na barriga dela, estava sempre a pontapear (risos). A minha avó diz que quando não tinha bolas chutava as pedras e rompia as sapatilhas todas. Sempre tive uma paixão muito especial pela bola.

Qual era o clube preferido lá de casa?
Benfica, a minha família sempre torceu pelo Benfica. Honestamente, eu abstraí-me um bocadinho se calhar por causa da profissão..

Quem eram os seus ídolos?
O Ronaldo o “Fenómeno” e o Ronaldinho Gaúcho. Estes dois eram os melhores de sempre para mim.

Gostava da escola?
Gostava da escola, não gostava das aulas (risos). Mas quando me aplicava tirava quatros e cincos.

Era um miúdo calmo ou fazia muita asneira?
Era muito traquina. Era eu que aprontava tudo na escola, que metia coisinhas nas portas para as portas não abrirem e não termos aula, metia lagartixas na sala para não ter aula ( risos).

Quando era pequeno o que é que dizia que queria ser quando crescesse?
Sempre jogador de futebol. Mas a minha mãe dizia que eu queria fazer casas. Não sei se era arquitecto, trolha, não sei (risos). Curiosamente hoje tenho uma empresa de construção e remodelação. Curiosidades do destino.

O seu primeiro clube é o Santa Maria. Como é que lá vai parar?
Eu tinha muito jeito para a bola desde pequenino. E um senhor viu-me a jogar na escola, no recreio e ficou impressionado. Foram falar com os meus pais, a pedir para eu ir para lá para o Santa Maria. Com seis anos já jogava com os miúdos de 10. Não havia escolinhas na altura. Não era como agora, se fosse agora, meu Deus, aos seis anos tinha ido para o Manchester ou para o Real Madrid (risos). Eu de facto tinha muito jeito quando era mais novo. Era mesmo um fora de série até aos meus 14, 15 anos.

Já como avançado?
Comecei à baliza, queria ser guarda-redes, mas os treinadores não me deixavam porque, primeiro era muito baixinho, e depois porque pegava na bola, fintava toda a gente e marcava golo.

Lembra-se qual foi o primeiro dinheiro que ganhou no futebol e com que idade?
Foi com 15 anos, quando comecei a jogar nos seniores. Tinha um salário de 75 euros.

Havia alguma coisa que quisesse muito comprar ou que tenha juntado dinheiro para comprar?
Não, com 75 euros não dá para juntar nada (risos). Esse salário geralmente gastava eu, porque era muito baixo. Mas eu trabalhava e jogava futebol.

Trabalhava? E continuava também na escola?
Eu fugi da escola aos 15 anos. Ia com a mochila todos os dias, a minha mãe pensava que eu ia para a escola, eu escondia a mochila e ia trabalhar.

Onde?
Numa estamparia. Os meus pais só descobriram uns três ou quatro meses depois. Ligaram da escola a dizer que eu tinha muitas faltas, que não ia às aulas.
O que é que aconteceu nessa altura?
Levei uma carga de porrada logo para começar (risos). Depois queriam meter-me outra vez na escola. Mas eu sempre fui um miúdo com ideias muito vincadas e disse que queria dinheiro para as minhas coisas, queria ser um adulto. Lá aceitaram, mas ficaram bastante decepcionados. Hoje, percebo que foi um erro gigantesco, tenho uma filha e ponho-me no lugar deles, foi muito mau da minha parte. Agora ganhei juízo, voltei a estudar, tirei o 12.º ano, estudei durante estes anos. Na altura fugi quando estava no 8.º ano.

Quando começa a jogar pelos seniores?
Estava no segundo ano de juvenil, tinha 15 anos. Estreei-me nos últimos jogos da época.

Estava muito nervoso?
Não, sempre fui muito relaxado. Sempre tive uma personalidade muito vincada, para mim nunca existiu, nem vai existir, pressão. Desde jovem que digo que pressão é tu teres que pôr comida na mesa para os teus filhos e não teres dinheiro. Pressão é estares numa cama de hospital e dependeres de um médico para sobreviveres, isso sim, é pressão. Agora jogar futebol é um privilégio, é para desfrutar, não é para nos deixar nervosos. Nunca fiquei nervoso antes de um jogo. Há jogos, sim, que dá um friozinho na barriga, que é normal, mas é mais a ansiedade, do querer que comece rápido para resolver as coisas, isso sim. Agora pressão, nunca tive pressão, nem nunca fiquei nervoso antes de um jogo, nada.

2005/06 é a sua primeira época no plantel sénior em definitivo?
Exactamente. No primeiro ano de júnior comecei já com a equipa de seniores, era o goleador da equipa. Tinha 16 anos a fazer 17.

Depois é emprestado ao Bordéus. Como é que isso acontece?
Tinha 17 anos, o treinador era o Ricardo Gomes e o falecido Manuel Barbosa era o meu empresário. Alguém lhe falou de mim quando era jogador no Santa Maria, que era júnior, mas já jogava nos seniores, ele veio ver um jogo e como fazia muitos golos, notava-se que estava um ou dois degraus acima dos outros e ainda tinha muito para evoluir. O Manuel Barbosa veio ver-me, falou comigo e ligou ao Ricardo Gomes, que trabalhava com ele já há muito tempo, e o Ricardo disse também gostava muito das minhas características, que era muito novo e que era bom negócio. Então, fui lá, treinei, eles gostaram de mim e fiquei lá.

Foi sozinho?
Fui, fui sozinho. Foi muito duro.

O que custou mais?
A distância, as saudades. Na altura, a minha irmã era muito pequenina, tinha cinco ou seis anos, ligava a chorar para eu voltar. Eu era muito ligado à minha irmã mais nova - às duas -, mas a mais nova, por ser mais pequenina, era eu quem a protegia, ainda hoje é assim. Eu também sou muito ligado à minha mãe, sempre fui o filhinho da mamã e foi muito complicado. Passados dois meses e meio, três meses pedi para vir embora porque não conseguia lá estar.

Ficou a viver onde em Bordéus?
No centro de estágio, dormia e comia lá, tinha lá tudo.

Como é que foi com a língua? Sabia francês?
Não, muito pouco e também foi uma grande dificuldade na altura, mas serviu-me para o futuro. Havia um ou outro jogador que falava espanhol. Eu era muito tímido na altura. Foi tudo muito complicado e por isso é que pedi para voltar.

O futebol era muito diferente do que estava habituado?
Era. Muito físico, os treinos eram muito duros. Eu estava habituado a treinar à noite e a trabalhar o dia todo, e passei a ter treinos bi-diários. Foi uma diferença relativamente grande.
Quando regressa, acabam por emprestá-lo ao Estoril. Foi para Lisboa também sozinho?
Sim. Mas aí já foi mais fácil. As saudades mantinham-se, mas já estava em Portugal, eles iam visitar-me de vez em quando, fiz algumas amizades que até hoje mantenho.

Como fazia com as refeições? Comia sempre fora?
Comecei a aprender a cozinhar, tive de me desenrascar (risos). Ligava à minha mãe, ela dizia-me passo a passo, eu fazia as coisas e gostava mais por a comida ser feita por mim.

Nos tempos livres o que fazia, jogava PlayStation?
Foi nessa altura que comprei a minha primeira PlayStation, quando estava no Estoril.

Quais foram os primeiros amigos que fez nessa altura?
O André Cunha, ainda jogamos juntos durante muitos anos. Nos tempos livres jogávamos PlayStation. O Eduardo, o Pedro Caravana, o Nelson Oliveira.

É nessa altura que começam as primeiras saídas à noite?
É (risos). Em Lisboa foi um bocadinho a descoberta.

Costumava ir para onde?
Para as Docas e para algumas discotecas que hoje já não existem.

Alguma vez teve problemas por causa das noitadas?
Nunca.Também nunca fui de sair muito. No Estoril era mais, mas também não joguei muito porque depois o treinador, o Tulipa, chateou-se com o empresário.

Que tal era o Tulipa como treinador?
Eu não joguei nem um minuto, foi complicado. Eu era um miúdo de 18 anos, ele não me pôs a jogar por causa do empresário, disse-me ele. Eu era um miúdo, não sabia nada, mas sempre treinei bem, tanto que faltavam cinco jornadas para acabar e ele em frente ao plantel todo disse: “Quero agradecer a um grande profissional, apesar de muito jovem, o Hugo, que sempre se treinou bem. Nós não podemos descer, nem subir, por isso vou dar-lhe a oportunidade que merece. Espero que compreendam”. Mas depois não me convocou nos quatro jogos seguintes e, no último jogo, convocou-me para jogar com o Fátima e deixou-me em a 19º, ou seja tive zero minutos. Pelo menos não dizia nada.

Voltou para o Santa Maria?
Sim. Tinha alguns clubes interessados, mas tinha um contrato profissional com o Santa Maria, tinha sido emprestado por eles ao Estoril. Porque o objetivo era eu ir para o Bordéus no ano seguinte, mas como não joguei, eles depois acharam que era melhor não ir e voltei para o Santa Maria. Foi ai que tudo começou. Fiz a época, ganhámos a Taça, subimos de divisão, marquei 48 golos. Ainda hoje é o recorde de golos daqui de todas as associações.

Quando volta ao Santa Maria, volta a casa dos seus pais ou já tem uma casa sua?
Nesse ano ainda voltei a casa dos meus pais, no ano seguinte é que fui viver sozinho.
Quando foi para o Gil Vicente.
Sim.

Foram eles que o contactaram?
Sim, porque não tinha como não se falar de mim aqui na cidade, porque de facto fiz algo incrível. O Santa Maria fez um campeonato incrível: havia um Famalicão muito forte, a investir muito dinheiro, e nós, com uma equipa de miúdos, a ganhar muito pouco, fomos campeões e ganhamos a Taça. Fizemos a dobradinha que não é fácil. O estádio estava sempre com muita gente para a divisão que era. E é claro que as pessoas de Barcelos falavam, vinham ver os jogos e não tinha como o Gil Vicente não me contratar.

Esteve lá três épocas.
Sim. Na altura tinha muitos clubes, alguns até da 1.ª Liga que vinham ver os meus jogos, alguns treinadores que me ligaram e tudo, só que o Santa Maria só me deixava ir para o Gil Vicente.

Quando vai para o Gil Vicente ,quem é o treinador?
O Rui Quinta. As coisas estavam a correr-me muito bem, estávamos nos lugares cimeiros, só que lesionei-me, fiz uma lombalgia. Começámos a não ganhar e o treinador foi mandado embora. Veio o Paulo Alves.

Com que opinião ficou dele?
Bom treinador. Subimos de divisão, no primeiro ano fomos à final da Taça, as coisas correrem muito bem tanto para mim, como para toda a equipa - e consequentemente para o treinador.

Entretanto é contratado pelo Benfica. Ainda tinha o Manuel Barbosa como empresário?
Não, não. No primeiro do Gil Vicente já foi o Carlos Gonçalves.

Trocou porquê?
Porque, curiosamente, no ano em que voltei para o Santa Maria, tinha 18 anos e o Manuel Barbosa queria que assinasse um protocolo irrevogável, como se fosse propriedade dele. E isso não é válido, como é óbvio, e consegui rescindir e prometi que nunca mais assinava por nenhum empresário.Não assinei com o Carlos, expliquei-lhe, e quem o conhece sabe que é como eu: a palavra vale muito mais do que um contrato assinado. Não é por acaso que já lá vão 13 anos a trabalhar com ele.

Então o Benfica mostrou interesse...
...Sim, o presidente Luís Filipe Vieira falou com o Carlos, mostrou o interesse que tinha por mim, assim como vários clubes o fizeram, e chegámos a um acordo.

Que outros clubes?
Isso são coisas que ficam connosco.

Algum dos outros grandes?
Sim.

A opção pelo Benfica foi por ser o clube do coração ou porque era o melhor contrato?
Foi uma escolha com o coração e não com a cabeça, porque qualquer das outras opções talvez fossem mais fáceis para mim. Mas na altura foi um sonho, um sonho da minha família que sempre foi benfiquista, por isso fui para lá.

Mas não chegou a jogar.
Oficialmente, não.

Chegou a ser recebido pelo Jorge Jesus?
Sim, ao início fui muito bem recebido por toda a gente: fomos para a Suíça, para a França e as pessoas gostavam muito de mim, vinham falar comigo. Mas também foi opção minha; pedi para ser emprestado, porque o treinador disse que queria que ficasse no plantel, mas que não ia ter muitas oportunidades de jogar. Se calhar, não reagi da melhor maneira e disse que se fosse para ser assim, não queria ficar, queria jogar, porque para evoluir tinha de jogar. Se calhar foi o meu erro, mas pedi para sair. Costumo dizer que nunca me arrependo de nada.
Quem escolhe o Sporting de Gijón?
Foi o Benfica, eu tinha outras propostas mas o Benfica disse que só me deixava sair se fosse para lá. 

Foi sozinho?
Fui com a minha ex-esposa, a Edina.

Já estava casado com ela? Quando é que a conhece?
Quase. Eu conheci-a no meu primeiro ano no Gil Vicente.

O que ela fazia quando a conheceu?
Era professora de educação física. Já nos conhecíamos de vista, vivíamos relativamente perto e às vezes a gente cruzava-se, mas conhecia-a quando fui dar autógrafos à escola onde ela era professora. 

Entre dar a sessão de autógrafos até viver juntos quanto tempo se passou?
Mais ou menos dois anos. Começámos a viver juntos quando eu fui para Lisboa, para o Benfica, ela veio comigo e concorreu para dar aulas em Lisboa.

Mas o Hugo esteve pouco tempo no Benfica.
Sim, dois meses. Depois fomos para Espanha e ela optou por abandonar e vir comigo para Espanha. Não sabíamos que iria ser tão pouco tempo.

Quanto tempo ficaram em Espanha?
Ela ficou duas, três semanas, porque foi-lhe diagnosticado um sarcoma. Ela estava com dores no peito e nas costas, desde Lisboa, mas pensávamos que era ansiedade, por não sabermos para onde é que eu ia jogar. Só que continuou e, não sei porquê, até hoje não consigo perceber porquê, mas agarrei no carro numa sexta-feira e vim de Gijón para cá. Não disse nada a ninguém e quando cheguei na sexta-feira à noite, ela foi fazer exames e no sábado de manhã tivemos o resultado.

Nessa altura tinham noção da gravidade?
Não, nada.

O que decidem fazer? O Hugo voltava e ela ficava cá?
Não, como deve compreender, fiquei sem chão, sem tecto, sem nada. Liguei ao meu empresário que ligou para o clube e explicou. O clube disse para eu ficar o tempo que fosse preciso, que essas eram as verdadeiras prioridades. Para ficar o tempo que precisasse para estar com ela e apoiá-la. Foi um gesto incrível da parte deles.

Ficou cá quanto tempo?
Setembro e Outubro. Voltei para lá em Novembro, mas era muito complicado. Tinha um dia livre e vinha cá. Eram cinco, seis horas a conduzir. Costumo dizer que se não morri num acidente de automóvel nessa fase, nunca mais vai acontecer porque vinha cansado e nem me lembro das viagens. Vinha o mais rápido possível, às vezes com neve na montanha as estradas ficam muito perigosas, e eu vinha sem correntes, no meio da neve, o carro vinha a deslizar muitas vezes. Foram dois meses em que eu queria ficar, só que ela não queria, não queria que eu parasse a minha vida por ela. Ela fazia anos a 19 de Outubro, nesse dia tive treino de manhã e depois vim cá. Ela estava internada no IPO, fui lá ter com ela, levar-lhe uma prenda e um ramo de rosas. e voltei. Fiz a viagem no mesmo dia porque tinha um jogo no fim de semana para a Taça do Rei e foi o meu melhor jogo no Gijón. 

Acabou por só fazer quatro jogos.
Sim. Porque eu fui em Novembro, entrei em dois ou três jogos, não estava bem fisicamente como é óbvio, sem treinar, dormir era o que calhasse. E era um jogador muito caro para o clube na altura, eles foram incríveis nisso, portaram-se muito bem comigo, ao contrário de outros clubes.
Quando acaba a época volta ao Benfica?
Depois disse que não conseguia mais estar lá e vim para o Gil Vicente, em Dezembro.

Vem para o Gil Vicente na época 2012/ 2013. Depois vai para o SC Braga.
No final dessa época. As coisas correram muito bem, apesar de não ter vida. Muitas vezes dormia no hospital, estava lá o dia todo, vinha dormir a casa e treinava de manhã, mas apesar disso as coisas correram incrivelmente bem. Marquei uns oito golos, qualquer coisa assim, e no ano seguinte fui para o Braga.

Foi o SC Braga que o procurou?
Sim. Era o Jesualdo Ferreira que lá estava.

O que achou dele?
É muito bom treinador, muito boa pessoa. É uma pena eu não ter vida para profissional nesse tempo. Ainda por cima cheguei muito tarde, porque o Benfica não me queria deixar sair, meteu alguns entraves e só chegaram a acordo no final de Agosto. Fui, estava sem treinar, comecei a treinar, fiz um jogo na equipa B e depois joguei sempre na equipa principal, só fui jogar na B para ganhar ritmo. Comecei a entrar aos poucos, só que não tinha vida, não dava.

A Edina esteve muito tempo internada?
Nessa fase estava três semanas em casa e ia uma para a quimioterapia. Na semana em que ficava lá, eu às vezes dormia lá, por isso não dava para ter vida de jogador de futebol profissional. Às vezes, jogava à quarta e ao domingo e eles queriam que nós fizéssemos banhos de gelo, só que eu não podia ficar doente - quem tem familiares nessa situação sabe muito bem disso, não podes ficar constipado porque as defesas deles ficam muito em baixo. Por isso eu tinha muito cuidado e banhos de gelo, por exemplo, não podia fazer, era muito complicado. As pessoas pensavam que eu fazia isso por mal, mas não era por mal, era para a proteger.

Entretanto é emprestado ao Gil Vicente.
Sim, expliquei que não podia fazer certas coisas e acabei por jogar com os juniores porque não tinham jogadores para a frente. Pedi para voltar para o Gil Vicente porque me entendiam melhor e estive seis meses no Gil Vicente.

Como é que surge o Torpedo de Moscovo, da Rússia, no meio disso?
Ligaram para o meu empresário. Nessa altura a Edina também estava bem e, por curiosidade, Moscovo era a cidade dos sonhos dela. Por isso a proposta era algo que nos agradava muito aos dois. 

Foram os dois para Moscovo?
Não. Eu fui no princípio de Setembro e estava previsto ela ir no final de Setembro porque ainda tinha umas consultas no IPO. Só que entretanto ela sentiu-se mal, foi fazer uns exames e o sarcoma tinha voltado.

Foi para a Rússia sozinho?
Sim, foi complicado.Tinha tradutor, mas só para algumas entrevistas. Eu cheguei numa quinta-feira, na sexta-feira treinei, no sábado tínhamos jogo, eu entrei 20 minutos e fiz golo, contra o Spartak, uma equipa grande de lá. As coisas começaram logo muito bem e claro que isso ajuda muito. As pessoas trataram-me muito bem, só tenho a dizer coisas boas da Rússia, da Sérvia e do Japão, pessoas incríveis.
Continuou com essa vida de andar cá e lá?
Sim, depois foi complicado porque em Dezembro o campeonato parou e eu fiquei cá no mês de dezembro. Fizemos os convites de casamento e oferecemos a toda a gente. Eu voltei a Moscovo no dia 13 de Janeiro e ninguém percebeu muito bem o que aconteceu porque ela estava relativamente bem, e de um dia para o outro, as coisas não ficaram tão bem.

Ela faleceu...
...No dia 25 de Janeiro. Foi muito rápido.

Ficou destroçado, como se pode ver pelo seu Instagram.
É muito complicado expressar por palavras.

A que se agarrou para seguir em frente?
Agarrei-me às coisas que ela gostava que eu fizesse. Foi mais ou menos nessa base e não acredito que seja só coincidência, foi a partir daí que comecei a ser o jogador. Em vez de ser mais um, comecei a ser o jogador em todo o lado por onde passei. As coisas correram-me de facto incrivelmente bem, comecei a marcar em média 20 ou mais golos por época.

Tinha 24 anos, levou alguém consigo para o ajudar no regresso à Rússia?
Não. Os meus amigos e a minha família foram incríveis comigo, sempre me ajudaram muito, mas a verdade é que eu tive que passar por isto sozinho. Fui sozinho, fiquei lá sozinho.

De Janeiro até ao final da época como é que conseguiu arranjar um ponto de equilíbrio?
Não consegui. Vivia o hoje, a partir daí comecei a viver o hoje, porque nós não valemos nada, a verdade é esta. Nós temos o “agora” para viver, amanhã não sei o que é e o que pode acontecer.

O que mudou na sua vida?
Não sou a melhor pessoa para falar disso, mas comecei a ajudar toda a gente que podia e a viver o hoje. Porque é a realidade, nós não valemos nada. Nós temos o agora para viver e mais nada, estamos bem, dá-nos uma diarreia daqui a 10 minutos e vamos para o caraças, essa é a realidade. As coisas que o dinheiro não compra na verdade são o que realmente importam. O amor pelo próximo, fazer o bem. Eu costumo fazer isso e dizer isso a toda a gente que me rodeia, vamos fazer o bem porque é a única coisa que fica. Nós nascemos sem nada e não vamos levar nada. O dinheiro é tão importante porquê? Para quê? Claro que é importante e dá-nos coisas muito boas, mas aquilo que realmente é bom e tem valor, são as coisas que o dinheiro não pode comprar.

Houve alguma coisa que o tenha chocado mais nos dias que passou no IPO do Porto?
Ao início foi muito complicado, porque eu via pessoas a morrer à minha frente todas as semanas. Não quero estar a exagerar, mas todas as semanas alguém morria ali ao nosso lado e eram essas coisas que nos faziam pensar. Porquê? O que é que andamos aqui a fazer?

Apesar disso tudo consegue um contrato para o Estrela Vermelha, da Sérvia, logo a seguir.
Comecei a ficar em forma, as coisas correram me bem nos últimos cinco, seis jogos, apesar de não me pagarem o salário porque estavam com dificuldades. Depois desceram três ou quatro divisões por causa disso. Entretanto, num jogo contra o Lokomotiv, fiz um jogo muito bom, o treinador deles viu-me, ligou e queria levar-me para o Estrela Vermelha porque ele foi para lá. Chegámos a acordo e fui para lá.

Muito diferente a Sérvia da Rússia?
Tem duas equipas muito fortes, o Estrela Vermelha e o Partizan. Mas o futebol tem muita qualidade e não é por acaso que todos os anos vêm 20, 30, 40 jogadores sérvios para as Ligas mais fortes.

Como foi a adaptação? Foi mais fácil?
Foi muito fácil. Belgrado é uma cidade incrível e depois assinei por um clube fantástico. Não tenho adjectivos para descrever aqueles adeptos e aquele clube. Porque foi realmente incrível jogar lá. 

Esteve lá duas épocas.
Sim, dois anos.
Tem alguma história engraçada de lá que possa contar?
Tenho algumas. Marcar um golo num dérbi lá é algo incrível e os amigos diziam: “se marcares um golo, as pessoas vão começar a idolatrar-te de uma forma que não vais perceber”. E eu: “Ah é? E se eu marcar dois, o que é que vai acontecer?” (risos). “Dois, és maluco, já estamos em segundo, se ganhamos e passamos para primeiro, nunca mais podes sair de casa. Marcar dois golos, tu não estás a perceber...”. E no dérbi eu marquei dois golos incríveis.

E?
Isto foi à quinta ou sexta jornada. E a verdade é que tinha montes de gente em minha casa à minha espera. Não sei como é que eles sabiam onde é que eu vivia, mas tive de andar com seguranças durante algum tempo, apesar de nunca ter tido nenhum problema. Até os adeptos do Partizan me respeitam de uma forma incrível. Têm videos no youtube em que os vemos a atirar petardos e objectos para os meus colegas e, quando sou eu a sair, alguns aplaudem e não atiram nada. Também fui o único jogador na história deles a pedir desculpa, no dérbi, ao adversário, porque no meu primeiro golo fui festejar para a bancada que normalmente era a nossa, mas naquele jogo era deles e eu não me apercebi. Começaram a chover cadeiras, a insultar-me, o que é normal, mas depois eu pedi desculpas e foi um respeito muito grande quer de uma parte, quer da outra. Foi bonito, são essas coisas que ficam do futebol.

O que fazia nos seus tempos livres?
O mesmo de sempre, ficava por casa, ia almoçar fora, jogava PlayStation, nada de especial. 


É lá que conhece a sua actual mulher e mãe da sua filha.
Exactamente.

Como é que se conheceram e o que ela faz ou fazia profissionalmente?
Ela estudava na universidade de direito e trabalhava lá. A família dela é toda de direito. A irmã é juíza, o pai é advogado e a mãe era directora do hospital da cidade dela . A prima dela é uma jornalista muito conhecida lá, com quem eu me dava muito bem. Eles lá chamam irmãos aos primos e primas e conhecia-a assim, através da prima jornalista. Num jogo levo uma pancada quando vou cabecear, fiquei meio tonto, não estava muito bem e essa amiga jornalista foi lá a casa levar-me fruta e a Nina estava no carro, não queria entrar. Então fui lá fora e convidei-a a entrar. Ela entrou um bocadinho e foi aí que nos conhecemos. Depois fomos falando. Isto foi em Junho do ano seguinte.

Já casaram?
Ainda não. Começámos a namorar, mas eu queria muito ter um filho e falei com ela sobre isso. Ela ao início não queria, chamou-me maluco, mas depois eu lá a convenci (risos) e as coisas andaram rápido e bem. Eu precisava de uma princesa, neste caso, para me dar outra vontade de viver, outros objectivos.

É nesse ano ainda que vai para o Japão?
Fui para o Japão no ano seguinte, em 2016/2017. Fiz seis meses e em Dezembro e fui para o Yokohama Marinos do Japão.

Como é que surge?
Ligaram para o clube a mostrar muito interesse por mim e compraram-me ao Estrela Vermelha, apesar de eles não me quererem vender. Só que eu só tinha contrato até Junho e não queria renovar. Não era não querer renovar, mas precisava ganhar dinheiro e era um contrato muito vantajoso tanto para mim como para eles. E eles venderam-me por um milhão e fui para o Japão.

Nessa altura a Nina já estava grávida?
Sim. Mas só começamos a viver juntos quando fomos para o Japão. A Bianca nasceu a 29 de Março. 

Como é que foi chegar a um país tão diferente, com uma língua completamente diferente?
Ao início não foi fácil porque o Japão, para quem não conhece, é muito complicado. A língua, os japoneses ao início são um bocado estranhos, são um bocadinho frios, tens de conquistar a confiança deles, tens de mostrar que és boa pessoa. Mas depois são incríveis e é o país que hoje elegemos como o melhor do mundo.

A sua filha nasceu lá?
Nasceu.

Assistiu ao parto?
Sim, foi a sorte da Nina, se não não sei como é que ia ser.

Porquê?
Porque custou-lhe muito. Para já eles têm muitas regras nessas coisas. Por exemplo: não dão epidural, não dão remédio nenhum para as dores, tem que ser mesmo ao natural, por causa da cultura deles. E foi muito complicado, ela esteve 30 horas em trabalho de parto.

Quando a Bianca nasceu o que sentiu e a quem ligou primeiro?
Ah, é a melhor sensação do mundo. É um misto de emoções. Liguei logo à minha mãe.

Para si era indiferente o sexo?
Gostava muito de ter um menino, mas eu quero é que venha com saúde que é a única coisa que importa. E estou muito feliz por ter sido uma menina. A Bianca é uma menina muito especial. Quem a conhece sabe muito bem disso, é uma princesa muito especial. Toda a gente que passa por ela na rua, fica apaixonado (risos). É loirinha, de olhos azuis, muito simpática para toda a gente, não estranha ninguém. Só conhecendo mesmo, é muito querida. Mas eu quero mais filhos.

A sua mulher, depois de 30 horas de parto, está disposta a isso? Há outra solução?
Se eu quero muito, acho que não há outra opção porque, como disse há pouco, sou uma pessoa de ideias muito vincadas (risos). Mas sim, vamos ter mais filhos com certeza, se Deus quiser.
Voltemos ao futebol. O que achou do futebol no Japão?
Muita gente confunde o Japão com a China. A diferença é grande e isso dá para ver nas selecções, tem um campeonato muito forte, com sete ou oito equipas a lutar pelo título, com orçamentos muito grandes.

O Hugo adaptou-se logo ao futebol deles?
Curiosamente sim, as coisas correram muito bem desde o início. Comecei no banco, mas entrei e fiz uma assistência no primeiro jogo, marquei no segundo. As coisas correram muito bem, não foi por acaso que há dois anos marquei mais de 40 golos.

Tornou-se num ídolo lá.
Sim. Aliás dá para ver nos vídeos da minha despedida. No jogo da despedida, uma hora e tal depois do jogo acabar, eles chamaram-me porque tinham adeptos que não se iam embora sem se despedirem de mim. Pensei: está bem vou lá e estão meia dúzia de pessoas. Mas quando saio e vejo mais de 20 mil pessoas a gritar o meu nome, a chorar e a pedir para não ir embora... foi sem dúvida uma das mais bonitas histórias que vivi no futebol e das mais emocionantes. Emocionei-me muito, eles também, até hoje ao falar disso me emociono porque estares tão longe da tua casa e sentires-te tão querido, com tantas bandeiras do teu país. Crianças, adultos, idosos a chorar e a pedir para eu ficar... Foi sem dúvida algo que me marcou muito.

Não tem nenhuma história de lá que possa partilhar?
Tive uma história muito curiosa em Bangkok, na Tailândia. Fomos para lá estagiar. Tínhamos um dia livre e fomos passear. Só que para os japoneses as regras são fundamentais. Nós tínhamos de estar às sete horas para jantar e se não estás, estás tramado. Fui com um colega para o centro de Bangkok, eram mais ou menos 25 a 30 minutos de carro e fomos tranquilos. Às cinco da tarde íamos voltar para o hotel, para podermos descansar um bocadinho antes do jantar. Entrámos no táxi e perguntámos quanto tempo é que demorávamos e ele disse-nos três horas por causa do trânsito. “Hã? Estamos desgraçados. O que é que vamos fazer à nossa vida”. Então alugámos um táxi mota e lá fomos, sem capacete, pelo meio do trânsito de loucos de Bangkok e demorámos só uma hora e cinquenta. Chegamos mesmo em cima da hora (risos).

A equipa não deu por nada?
Não, não. Só passados seis meses é que souberam. É que nós temos no contrato que não podemos andar de mota. Mas foi a única solução que tivemos para não chegar atrasados. Se não, meu Deus (risos).

Do que gostou mais e menos do Japão?
O que gostei mais foi da cultura deles, como tratar o próximo, como respeitar o próximo. Quem conhece o Japão sabe que é de longe o melhor país do mundo. O que menos gostei foi da distância, é de facto muito longe. Mas de certeza que vou lá voltar.

Houve alguma comida ou alguma coisa que tenha sido muito estranha para si? Ou alguma coisa de que tenha gostado mais?
Eu não sou a melhor pessoa a quem perguntar isso, porque como a minha mãe diz, eu tenho uma boca santa. Como tudo, não tenho qualquer tipo de problema com a alimentação, seja aqui, no Japão, na China, qualquer lado. Gosto de tudo.

Algum hábito deles que tenha achado mais complicado ou pelo contrário, houve algum que tivesse adoptado?
Eu apaixonei-me pelo Japão. Gosto muito da maneira deles serem, o que eles faziam, do agradecer por tudo, baixar a cabeça, dobrado, eu fazia isso tudo e adoro.

A sua mulher, a Nina, adaptou-se bem ou custou-lhe?
Ao início custou-lhe bastante, ainda por cima com a Bianca era complicado. Só que depois, quando somos pais, começamos a pensar mais nos nossos filhos do que em nós. Ela quer muito voltar para lá, apesar de termos saído de lá há pouco tempo. Também estou muito bem na Turquia, têm-me tratado muito bem, apesar de me ter lesionado.

Foi para a Turquia em Janeiro deste ano.
Sim. Assinei no dia 28.

Porque é que foi para a Turquia, era um contrato melhor?
Não, tinha contratos muito mais altos no Japão, só que a minha mãe teve um problema grave de saúde e eu optei por vir para mais perto. Graças a Deus está resolvido e ela está bem. Teve um cancro no estômago. Voltei ao IPO.

Como é que foi voltar ao IPO?
Só fiz isso por ela, por ser ela, porque foi um “deja vú”, foi muito difícil. Mas já passou.

Passar do Japão para a Turquia...
...É do 8 ao 80. São muito desorganizados, quando te dizem uma coisa se calhar não é bem assim. No Japão, o que eles dizem é como num contrato. São muito organizados. Quando dizem às três a entrevista, às duas e cinquenta e nove está tudo pronto e tens que estar já pronto e não começam antes, deixam o relógio bater as três e aí é que começa mesmo. Adoro isso.

Foram os três para a Turquia?
Elas infelizmente ainda não tiveram a oportunidade de ir porque eu fui, cheguei a acordo, assinei, fui treinar e lesionei-me. Fiz uma ruptura de ligamentos no joelho esquerdo. Ou seja, eu fui para a Turquia e elas foram para a Sérvia, para passar lá uma semana ou duas com a família da Nina, e depois vinham ter comigo à Turquia, mas nem deu tempo. Eu lesionei-me e voltamos todos a Portugal, fiquei cá a recuperar.

Vai continuar na Turquia?
Sim. Vou ficar mais uns tempos aqui, porque ainda estou com quatro meses de recuperação. Diziam que seriam nove meses de recuperação, mas eu vou voltar com quatro meses e meio, nada mau.

A Nina e a Bianca vão consigo?
Vão. Há pouco falou-nos dos seus negócios.

Como e quando surgem?
Temos de preparar o futuro e eu investi no ramo imobiliário, criei uma empresa de construção e remodelação, HV Building, e tenho também uma agência de viagens, a Best Trip.

Está a gostar de ser empresário?
Muito. É uma responsabilidade muito grande e anda aí muita gente a mentir em coisas tão sérias. Porque a maioria das pessoas só pode ter uma casa na vida e é uma grande responsabilidade dar a casa de sonhos ao cliente. Felizmente, as pessoas têm confiado muito em mim e eu tento retribuir da melhor forma. Já fizemos umas remodelações importantes, e neste momento estou a construir do zero 10 vivendas. Quatro em Barcelos e seis na Póvoa.
O futuro depois de pendurar as botas vai passar por aí, longe do futebol?
Não sei. Não penso muito nisso. Quero estar ligado ao futebol sempre, mas claro que vou ter os meus negócios, já tenho.

Vê-se como treinador, como empresário?
Mais como empresário ou como presidente de algum clube. Vamos ver.

Alguma vez foi chamado à Selecção?
À Selecção A, nunca.

Ainda tem esperança de lá ir?
Não tenho esperança, porque isso é algo que não posso controlar. Se dependesse de mim ou se não fosse como é, eu já tinha lá ido há muito. Só que eu apareci no futebol sozinho, sempre conquistei tudo sozinho e toda a gente sabe que eu já merecia ter ido há muito tempo.

Por que razão não foi, tem ideia?
Não sei. Ganhei tudo o que tinha para ganhar, prémios colectivos e individuais, especialmente no ano da Sérvia, quando se falava que tínhamos uma crise muito grande de avançados e não me chamaram. Mas, pronto. Sinceramente não estou preocupado com isso. Estou preocupado é com aquilo que posso controlar que é jogar bem e marcar mais de 20 golos este ano, como tem sido nos últimos cinco anos e é isso que vou fazer com toda a certeza.

É crente?
Sim, sou muito. Acredito muito que existe algo para lá desta vida.

Tem superstições?
Sim, às vezes. Não é bem superstição, é ajudar o próximo por exemplo. Acho que isso me trás sorte, pelo menos faz-me sentir muito bem, que é o que importa.

Com certeza que ficou com muitas recordações da Edina. Houve alguma coisa dela que fizesse questão de ficar para si?
Não. Fiquei com as memórias e com alguns objectos pessoais. Normalmente beijo a tatuagem que tenho no braço e que representa as nossas mãos e as alianças. Fiz depois dela falecer.

De todos, qual foi o melhor treinador que teve e o pior?
O melhor foi o Rui Quinta. Está muito à frente dos outros, é muito forte a ver o jogo, os erros tácticos, os jogadores. É de longe o melhor treinador que apanhei. Do que gostei menos foi o último treinador que tive no Japão porque vê-se bem que nunca jogou à bola. Tínhamos em média uma hora de treino e três de palestra, por isso dá para ver que nunca jogou à bola. Não é por acaso que ninguém gostava dele. Também foi um dos motivos pelos quais saí. Quero jogar à bola, mas também quero ter um mínimo de tempo para a minha família e não tenho de estar fechado numa sala durante três horas a ouvir alguém falar coisas que não são verdade. Enfim, treinadores, é muito complicado também. 

Qual o seu clube de sonho onde gostava de ter jogado ou ainda vir a jogar?
Não tenho assim nenhum clube de sonho. Claro que gostava do Real Madrid, mas agora está difícil porque já tenho 31 anos. Mas a Premier League para mim é o melhor campeonato do mundo.

Vai acompanhando o futebol português?
Sim, tento acompanhar e deixa-me muito triste ver a qualidade de ano para ano a regredir. Custa-me muito ver um campeonato com tão pouca qualidade. Não é tão pouca qualidade, tem qualidade, mas se formos a ver as estrelas do meu tempo e as de hoje, não tem comparação possível. Mas, pronto, é um bom campeonato para te mostrares e para ires para outros campeonatos, apesar de depois não jogares tanto e não seres tão visto.

Acha que piorou assim tanto?
Sim, piorou muito e não é por acaso que até a Rússia nos passou e agora até o Porto vai ter de jogar a pré-eliminatória para entrar na Liga dos Campeões. Acho que só não vê quem não quer: ou mudamos isto e começamos a encarar como um desporto e não como um negócio, ou então isto vai piorar cada vez mais.

Isso acontece um bocado por todo o mundo, o ser um negócio. Porque é que acha que está pior em Portugal?
Não é em todo o mundo. É um negócio sim, só que na Premier League só joga quem tem qualidade e não quem convém jogar e não há tantos problemas com o VAR.

Considera que o VAR não veio ajudar?
Só veio confirmar, constatar factos. Coincidência ou não, os grandes é que são os mais favorecidos e só eles é que ouvimos a falar dos árbitros. Isso só acontece em Portugal. Em Inglaterra, isso não acontece, em Espanha também não, no Japão também não, mas na Turquia isso também acontece (risos). É só em países, lá está, em que o futebol é mais um negócio do que um desporto.

No futuro está a pensar viver em Portugal?
Ando um bocadinho pelo mundo, mas o meu cantinho vai ser sempre em Portugal. É aqui que me sinto em casa. 

Para si quem é o melhor jogador de todos os tempos até hoje?
Ronaldinho Gaúcho.

Continua a ser, mais do que Messi e Ronaldo?
Sim. Para mim vai ser sempre o melhor. Claro que o Cristiano é incrível, é o melhor português, mas do mundo para mim é o Ronaldinho. Ele fazia aquilo que ninguém faz, nem nunca ninguém vai fazer. Era algo inacreditável.

Qual é a sua maior qualidade? A sua mais valia enquanto jogador?
A minha personalidade. Hoje tenho o que tenho e sou o que sou pela mentalidade forte. Existem milhares de pessoas com mais qualidades do que eu, só que a cabeça é que manda, a cabeça é que faz toda a diferença.

Conte-nos mais uma história para terminar.
Sempre que digo que vou marcar um golo, eu marco, é incrível (risos). No meu ano de estreia no Gil Vicente, contra o Benfica, o João Coutinho, que tinha ido jogar para o Chaves, ligou-me e eu disse-lhe: “podes ter a certeza absoluta de que vou marcar golo”. Parece que ele apostou lá no balneário do Chaves: “aposto com quem quiser que o Hugo vai marcar golo”. E eles: “o quê? O Gil acabou de subir, o Benfica vai cilindrá-los”. Na altura a equipa era o Salvio, o Cardozo, o Aimar, o Gaitan, o Saviola, o Matic, Witsel, era só essa equipa. Ele insistiu: “está bem, quem quiser apostar, eu aposto. Nem que percam 10-1, o Hugo disse que vai marcar, por isso vai marcar com toda a certeza.” E curiosamente fiz o golo, fiz o 2-1, depois acabámos por empatar 2- 2 e fazer uma grande surpresa. E ele ganhou as apostas (risos). Lembrei-me de outra.

Força.
Eu sou um jogador com uma confiança fora do normal. Tenho histórias de quando era miúdo, em que a humildade e eu não nos dávamos muito bem. O Paulo Alves contou esta noutro dia. Estávamos na II liga e no dia em que joguei contra o Porto do André Villas Boas, que tinha o Hulk, o Falcão, etc., para a Taça da Liga, de manhã meti no Facebook : “ótimo dia para marcar dois golos”. Quando chego lá para almoçar, antes do jogo, o mister disse-me: “puseste isto no Facebook. Apaga isso, és maluco, vais jogar contra o Porto.” Eu lá apaguei. Empatámos 2-2, foi o único título que o Porto não ganhou porque empatou connosco e eu marquei os dois golos (risos). Ele ainda hoje fala disso. E outra coisa: ele dava a equipa, e eu nos primeiros tempos com ele não jogava muito, ia para o banco. Ele dava a equipa, ia ter com ele: “então mister hoje não é para ganhar? Não quer ganhar?”; e ele: “o quê? Claro que que quero ganhar. Porque é que dizes isso?”. “Então, não vou jogar, meteu-me no banco” (risos). Os meus companheiros riam e gozavam comigo. Eles gozavam antes e eu gozava depois do jogo, quando dizia que marcava e marcava."

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