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domingo, 10 de março de 2019

A água e a sede

"O olheiro vê bem; vê, aliás, magnificamente. O problema é que quando seleccionou os jogadores estava escuro

Sombras e luz das velas
1. Plutarco, historiador grego, autor de Vidas Paralelas, livro de biografias de homens ilustres, escreveu, com maldade, que no escuro todos os humanos são belos.
Poderemos acrescentar, num pequeno desvio, que no escuro absoluto todos parecem ser extremamente competentes em qualquer tarefa. No escuro, por exemplo, todos jogam brilhantemente futebol.
E, de facto, por vezes, a escolha de certos jogadores para alguns clubes parece ter sido feita assim: sem o mínimo de luz natural e sem electricidade alguma. Escolher jogadores à luz das velas, método antiquado que deveria ser erradicado no século XXI - poderia dizer alguém que usasse a ironia.
Concluir, por exemplo, pela desenvoltura atlética das sombras: nunca olhar directamente para o corpo. Uma adaptação da alegoria da caverna de Platão. Escolher pelo movimento das sombras, como método possível, então, para explicar os fiascos de atletas contratados do outro lado do mundo para desempenharem de forma incompetentíssima, mas cara, actividades para as quais decididamente não têm apetência mínima.
O olheiro vê bem; vê, aliás, magnificamente. O problema é que quando seleccionou os jogadores estava escuro.
Também para as recusas de jogadores que, mais tarde, se tornam craques noutros clubes. É sempre a melhor desculpa: eu não sou cego, estava era muito escuro.

Sobre a liderança - entre a torre do palácio e um simples T1
2. As lideranças, desportivas ou no vasto mundo político, não se vêem, claro, pelo tamanho da estátua do chefe-máximo. Um líder não é uma estátua - deve mexer-se; nem deve estar lá em cima - mas som a uma altura capaz de escutar os outros.
Lá em cima, a visão pode ser melhor, mas não se escuta o som dos humanos. E, apesar de tudo, um comandante comanda humanos e não animais trabalhadores de tamanho mínimo.
Em suma: descer da torre imperial e reservar o rés-do-chão de um bairro popular, eis uma hipótese para um tipo de líder do século XXI.
Nem numa cave, nem uma torre: no mesmo piso do exército. Nem mais abaixo, nem mais acima.
Um comandante ao nível do mar, eis um lema possível para este século.

A promessa será cumprida
3. Quando um líder desportivo promete vitórias devemos desconfiar. Vejamos o maior dos exemplos: uma das grandes referências de liderança, Winston Churchill. Em 10 de Maio de 1940 foi nomeado primeiro-ministro após a demissão de Neville Chamberlain. No seu discurso inicial, na Câmara dos Comuns, preparando a nação inglesa para essa terrível Guerra contra a Alemanha nazi, Churchill fez um dos discursos mais famosos da História. Churchill disse mais ou menos isto: a única coisa que vos posse prometer é sangue, suor e lágrimas. Uma das frases mais conhecidas da História da Motivação dos Homens.
Churchill só garante e promete sofrimento e esforço; não promete glória, nem vitória. Teve uma nação inteira atrás de si, confiando nele. O melhor dos exemplos.

Outro exemplo
4. Ainda Plutarco (46 d.c. - 120 d.c.) e uma história sobre Alexandre, o Grande. Ele narra que Alexandre tinha atravessado um deserto com o seu exército e todos estavam com sede. Um soldado aproximou-se dele com um capacete cheio de água. Queria dar água ao grande comandante. Alexandre perguntou-lhe se havia água suficiente para os diz mil homens e quando o soldado fez um sinal negativo, Alexandre despejou a água no chão.
Assim é a liderança. Se os dez mil homens não têm água, Alexandre, o Grande, continuará com sede.
(...)"

Gonçalo M. Tavares, in A Bola

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