"Não foi só presidente do Benfica, foi pedra no sapato de Salazar; Tiraram-lhe emprego, morreu em A Bola
1. Nasceu algures por 1890 e ao ir como encadernador para a Imprensa Nacional envolveu-se na União Operária que, em 1919, se transformou na Confederação Geral do Trabalho, criando, pelo caminho, A Batalha jornal lido em voz alta nas cantinas (para que os operários analfabetos pudessem apanhar a sua política mensagem).
2. Por entre a fama espicaçada de sindicalista (e de anarca), ao abrir-se a campanha para o financiamento da construção do Estádio das Amoreiras, correu a inscrever-se como sócio do Benfica, gastando as suas poupanças nos «títulos para ajuda à missão». Foi em 1923, deram-lhe o número 4595 - e, sem grande tardança, o clube indicou-o para a direcção da Federação Portuguesa de Hóquei e Patinagem.
3. Notável pela fluência e pela paixão dos seus discursos, em 1926 subiu à vice-presidência da Assembleia Geral (por lá se manteve dois anos). Em 1930 tomou a presidência da Associação de ,Atletismo de Lisboa (e, claro, não deixara de ser o que se esperava que fosse: um feroz opositor de Salazar...).
4. À polémica com a FPF, a AFL exigiu que os seus filados boicotassem o Campeonato de Portugal, Ávila e Melo, o presidente do Benfica, concordou - os demais directores não por julgarem imoral que o clube não defendesse o seu título, opuseram-se. Ávila demitiu-se, para o lugar lançou-se a escrutínio Félix Bermudes. Recolheu 275 votos, achou-os expressão de «alguma desconfiança», recusou tomar posse. Como operário anarca e sindicalista, colhera 409 votos para vice de Bermudes, subiu ele à presidência (estava-se em Agosto de 1930).
5. Arthur John perdeu o campeonato de Portugal de 1930/31 e como ele se recusou pagar-lhe o que o Sporting lhe oferecera: 16 pontos por ano - John foi para o Lumiar. Ribeiro dos Reis, seu vice-presidente, regressou a treinador - sem receber um tostão do clube.
6. Herdara 650 contos de dívidas e letras para além dos 43 (e preço médio dum carro andava pelos 18 contos) - e, em Setembro de 1931 e em Agosto de 1932, reelegeram-no por «aclamação e braço no ar». Largou a função com a dívida esquartejada (não, não chegava a 950 escudos - apesar dos 60 contos que gastara em benfeitorias nas Amoreiras, dando-lhe duches de água quente e até telefone no balneário.
7. Chegou 1934 e apesar de bombas a rebentarem, de linhas de comboio a cortarem-se e da instalação de um «soviete» na Marinha Grande (que ao desfazer-se atirou de operários para campo de concentração de Angola), Salazar conseguiu o que queria: em vez de sindicatos atrevidos, dóceis «corporações». Ele, livrando-se da prisão e do desterro, teve ideia (que foi uma finta): transformar o Sindicato do Pessoal da IN em Grupo Desportivo e Recreativo da IN para que assim não perdesse a sede e os haveres. Criou-lhe uma secção desportiva e uma cultural (com palestras até com Alves Redol já proscrito pelo regime).
8. Em Novembro de 1936, regressou à presidência do Benfica - ganhou dois campeonatos da Liga. Ao passá-la a Ribeiro da Costa, voltara a amortizar a dívida em mais de 117 contos (e colhera pela primeira acima de 800 contos em quotas). E 27 contos de lucro deu o futebol, apesar de ferida cada vez mais aberta dentro de si: «O clube está deficientissimamente instalado nas Amoreiras. As receitas do campo são insignificantes em comparação com outros adversários, o público foge de lá Amoreiras porque de antemão sabe que ali não tem comodidades - e nem sequer já boa visibilidade...»
9. A sexta eleição para presidente foi a 19 de Janeiro de 1946 na sequência de demissão de Félix Bermudes - e de pronto solicitou a Augusto Cancela de Abreu, o Ministério das Obras Públicas, medidas para «resolução do problema do estádio». Sugeria-se que fosse nas cercanias do Hospital Júlio de Matos, não era o que queria, conseguiu que o ministro lhe prometesse: «O Benfica é de Benfica e para Benfica deve voltar!» (Sim, voltou...)
10. Em Julho de 1947, com o Benfica já de caminho garantido para a Luz, ele passou a presidência a João Tamagnini Barbosa. Afastado pelo governo de Salazar da Imprensa Nacional. Para que não ficasse desamparado e sem emprego - Cândido de Oliveira levou-o para os serviços administrativos de A Bola e organizar o seu arquivo fotográfico foi das últimas devoções da sua vida (e em Maio de 1966 morreu)."
António Simões, in A Bola
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