"Recupero o apelo que Nélson Rodrigues deixou aos jovens: "Envelheçam depressa." Uma recomendação condenada ao fracasso que, na verdade, o dramaturgo brasileiro dirigia a si próprio, com a esperança de se libertar da dependência pueril do futebol. Nas bancadas, não envelhecemos e estamos sempre atentos a qualquer sinal de uma representação suspensa da infância.
Não me esqueço do lugar onde estava no dia 4 de dezembro de 2015. Na Luz, mais um jogo do nosso Benfica, uma equipa que se reerguia lentamente, depois de ter agonizado durante um par de meses. Em campo, o Renato havia transfigurado o jogar do Glorioso: bola na frente, corridas em repelões, a insolência tresloucada de quem não quer envelhecer. Num final de tarde de inverno, jogo contra a Académica e, já bem no final da partida, um remate portentoso, vindo de um lugar desconhecido e bola no fundo das redes. Para a memória de quem viu na televisão, fica o sorriso pueril do Rui Costa, a incredulidade dos colegas no banco e a antecipação da conquista de um tri que, então, parecia impossível. Na bancada, ainda a tentar restabelecer-me da felicidade infantil com que celebrei o primeiro golo do Renato na Catedral, logo amadureci para, em tom paternal, confirmar ao meu filho que tínhamos de aproveitar. Era certo: no verão, o Renato seria vendido.
Três anos volvidos, a mesma Luz intensa. Longos meses de desaparecimento do Renato, que todos vamos seguindo semanalmente, na esperança incontida de que, lá fora, nos devolva o futebol de rua, imponderado e capaz de desarranjar todos os arranjos tácticos, os do adversário e os da própria equipa. Pois nada. O Renato foi desaparecendo, ora entregue ao futebol de régua e esquadro em que não se sente confortável, ora preso a irritantes lesões, que lhe retiraram o vigor físico de que depende. Pois na quarta-feira, vislumbrámos um lampejo do Renato que se anunciou na Luz. Arrancada no meio-campo, uma correria incontida e, no fim, o golo, sem celebrações.
Desta vez, como era de esperar, o golo era contra nós. O Vicente, que há três anos celebrou o remate contra a Académica, levantou-se para aplaudir. O pai, que sente cá dentro o espectro das palavras do Nélson Rodrigues e quer envelhecer devagar, seguiu o exemplo e, timidamente, primeiro aplaudiu, para depois se pôr de pé. Mas a Maria Leonor, que só agora se estreia de Red Pass, com a maturidade feminina própria dos 9 anos, logo se ergueu para, num gesto eficaz e silencioso, lançar as mãos sobre os braços do pai e do irmão e conter os nossos festejos. "O nosso destino é o de vencer" e na Luz só se celebram os nossos golos. Se a questão é saber quem tem razão, não restam dúvidas."
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