" “O neoliberalismo é o paradigma político definidor da economia dos nossos tempos, tendo como referência políticas e procedimentos que permitem que uns poucos interesses privados controlem o mais possível a vida social, por forma a maximizar o seu lucro pessoal (…). As consequências económicas destas políticas tiveram praticamente os mesmos resultados, onde quer que tenham sido aplicados: um aumento maciço da desigualdade social e económica; um assinalável incremento da forte dependência das nações e dos povos mais pobres do mundo; um desastre ambiental global, uma economia global instável e uma bonança sem precedentes para os ricos. Ao serem confrontados com estes factos, os defensores da nova ordem liberal argumentam que os restos do que é bom, invariavelmente sobejam para a generalidade da população, desde que não se encontrem em oposição às políticas neoliberais”. O texto com que iniciei o meu artigo, de hoje, é da Introdução do livro de Noam Chomsky, Neoliberalismo e Ordem Global (Editorial Notícias, Lisboa, 2000). Já há muitos anos venho escrevendo que o actual desporto de alta competição, reproduz e multiplica, demasiadas vezes, as taras, o desequilíbrio mental e moral do neoliberalismo dominante. Ou seja, a competição sem freios, onde o adversário não se estima e pouco se respeita, porque a concorrência é implacável; um rendimento, onde o ser humano é meio e o lucro é o objectivo indiscutível e primeiro; o predomínio da quantidade sobre a qualidade, típico de um positivismo, onde há factos, mas não há valores, onde há “performance”, mas não há princípios; a exploração do mais pobre e portanto, neste caso, dos países periféricos – tudo isto, que o neoliberalismo obstinadamente defende, emerge triunfante, com frequência, do desporto de altíssima competição, pois que o neoliberalismo penetrou em todos os domínios da vida social.
A televisão, as redes sociais, por seu turno, vivem em permanente e espasmódica concorrência. E assim o espectáculo desportivo (que a televisão e as redes sociais publicitam e exaltam) parece aprovar uma ideologia que não é a sua. “O Espírito Desportivo encerra em si mesmo um conjunto alargado de valores e princípios que deverão ser assimilados e vivenciados, na prática desportiva. Trata-se de um conjunto de valores que têm a função de imprimir um sentido positivo à actividade desportiva e que, sem os quais, esta perde a sua finalidade primordial: contribuir. Para o desenvolvimento harmonioso e universal da pessoa humana. O Espírito Desportivo deve ser vivido por todos os agentes, elementos-chave no sentido a dar aos mais jovens. Deve ser concretizada dentro e fora da competição desportiva, devendo nortear a sua prática e constituir a “espinha dorsal” da mesma. O Espírito Desportivo é pois respeitar códigos, regulamentos, honrar a palavra dada e os compromissos assumidos, recusar o recurso a quaisquer meios ou métodos, ainda que legais, no sentido de vencer ou tirar vantagem, bem assim como repudiar esses comportamentos ou atitudes, junto daqueles que prevariquem ou que influenciem terceiros nesse sentido” (Código de Ética Desportiva, PNED/IPDJ/SEDJ). Impossível, portanto, qualificar de Desporto uma prática que para pouco mais serve do que para adormecer as pessoas à recusa da sociedade injusta estabelecida. Sou então contra o espectáculo desportivo? Não, sou a favor! Considero mesmo o desporto de alto nível o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo. Mas, sem a poluição auditiva das claques; nem o grau zero de pensamento de alguns dirigentes; nem o culto fanático, pelo “homo oeconomicus”, do deus-lucro; nem a exploração típica do neoliberalismo, que também é evidente no futebol…
Os jornais do dia 20 de Setembro de 2018 foram unânimes a noticiar: “Foram 18 os clubes estrangeiros que enviaram emissários à Luz. O encontro entre o Benfica e o Bayern de Munique revelou-se montra bastante apetecível, para alguns tubarões de todo o mundo, tendo sido 18 os clubes que enviaram olheiros à Luz, para tirar algumas notas. A saber: Eintracht Frankfurt, Manchester United, , Watforf, Chelsea, Atlético de Madrid, Inter de Milão, Leipzig, Newcastle, Valência, Liverpool, Roma, Aston Villa, Juventus, Hudersfield Town, Arsenal, Bournmouth, Real Sociedad e Sevilha. A título de curiosidade refira-se que de Portugal o único clube que se fez representar foi o SC Braga”. O discurso dos “tubarões” distingue-se pelo triunfalismo, pela espera e pela esperança. O mundo é deles – o mundo e os melhores jogadores do mundo! Portugal, país periférico, tudo o que tem de melhor, no que ao futebol diz respeito, é para vender e para vender-se. Já se escutam os pios agoirentos dos que vaticinam campeonatos europeus, onde só por misericórdia poderão entrar qualquer uma das melhores equipas portuguesas. E, porque o poder imenso dos “tubarões” está em constante crescimento, dado que o modelo sócio-económico dominante poucos sabem e podem questioná-lo e transformá-lo – este futebol de ricos e pobres (e Portugal é um dos pobres!) está-ai para durar, deitando um olhar lateral de indiferença à nossa retórica de arrebatamentos patriopatetas. Reproduzindo e multiplicando as taras das nossas “sociedades de mercado” (eu estou entre os que defendem “sociedades com mercado”) o futebol português apresenta “belíssimas escolas de formação”… para os outros! Os nossos treinadores de futebol conseguem altos desempenhos, no estrangeiro, não porque tenham muito saber (ou o saber que os outros não têm) mas, como a etnologia já o tentou provar, se adaptam com mais facilidade aos mais estranhos ambientes e são afectivos, bondosos e de grande perspicácia e dinamismo. Porque “são”, chegam a ultrapassar os que mais “têm”.
Aproveito a oportunidade para sublinhar o nome de 5 (cinco) treinadores portugueses que eu conheci e com quem dialoguei e aprendi: José Maria Pedroto, Fernando Vaz, José Mourinho, Artur Jorge e Jorge Jesus. Quando em finais de Maio de 1979, durante um Congresso de Medicina Desportiva, em Espinho, onde participei com o tema “O erro de Descartes, na Medicina e na Educação Física” e Mestre Pedroto me questionou porque dizia eu que o treino desportivo era bem capaz de estar errado – a partir desse dia, ganhei um Amigo e um Mestre de apaixonado culto pelo futebol como conhecimento científico. Por essa altura, também, já eu começava a estudar o desporto, no âmbito das ciências sociais e humanas. Por essa altura, começava eu a escutar nas aulas que recebi do Mestre: “Não ligue muito aos que dizem que, num jogo de futebol, o mais importante é a táctica. O mais importante são os bons jogadores… que são raros e custam muito dinheiro!”. E rematava: “Eu, com grandes jogadores, que acreditem na minha liderança e num clube que satisfaça as minhas propostas, apresento-lhe sempre uma boa equipa, com qualquer uma das tácticas mais em voga”. Durante o jogo Benfica-Bayern, de 19 de Setembro de 2018, muitas vezes me lembrei das palavras sábias do inesquecível José Maria Pedroto. De facto, foi, pela força e perspicácia de uma táctica desconhecida, que o Bayern superou o Benfica? O treinador Niko Kovac tem “segredos tácticos” que o Rui Vitória desconhece? Tenho alguma autoridade (porque o li e com ele demoradamente dialoguei também) – tenho alguma autoridade para adiantar que o actual treinador do Benfica será sempre um grande treinador, em qualquer parte do mundo. Mas com iguais critérios de competitividade e eficiência, quero eu dizer: com um “plantel” de superdotados e não tão-só com dois ou três superdotados. E até aqui, no radical fundante do espectáculo desportivo, há causas políticas."
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