"Armando Nogueira (1927-2010), jornalista e escritor, um dos grandes génios comunicacionais do Brasil do século passado, escreveu: "O penálti é uma sentença de morte na qual o carrasco pode virar a vítima." O momento envolve múltipla tomada de decisão por parte de dois homens ao mesmo tempo, um que tem a bola nos pés e outro que, colado à linha de baliza, tem apenas as mãos para evitar a desgraça. A luta não é justa, porque os intervenientes na história não estão no mesmo patamar: o avançado só tem a perder – e há uma diferença fundamental entre quem só procura evitar a catástrofe e quem entra no despique para ser protagonista. No ‘tie-break’ do futebol há uma linha que separa o cumprimento da obrigação e a luta por inverter a regra, em diálogos que se resumem ao bem conhecido "eu sei que tu sabes que eu sei".
Tornou-se habitual recusar a ideia de que o penálti é uma lotaria. Que é competência e os melhores são especialistas, logo elementos valiosos no contexto global do plantel. Mas o treino, que serve para aumentar confiança e precisão, não teatraliza na totalidade as exigências inerentes: um jogador pode marcar 10 em 10 penáltis num treino, com bancadas vazias e irrelevância competitiva; pode dominar a corrida, a relação com a bola, com o guarda-redes e com a técnica de remate. Mas só quando chega ao jogo revela de que material é feito, pela pressão suplementar dos milhares nas bancadas, dos milhões nos quatros cantos do Mundo e da responsabilidade desmesurada sobre os tais carrascos que viram vítimas – muitos permanecem reféns de erros fatais que se perpetuam na memória comunitária.
Akinfeev, o capitão russo, não quis conversas com o adjunto quando este o abordou com um dossiê para lhe dar conta dos hábitos dos jogadores croatas. Fez-lhe sinal negativo e apontou para a cabeça enquanto bebia um gole de água, prova de que ainda não se rendeu às novas tendências tecnológicas: continua a pensar que bastam bons reflexos, poder intimidatório, capacidade para decifrar as intenções e boa memória para enfrentar o momento, dando rédea solta ao instinto e à observação do momento. Jorge Valdano disse que muitos escolhem um lado, voam e esperam notícias pelo caminho – como fez o croata Subasic quando parou o tiro de Smolov.
A Lei 14 obriga o guarda-redes à imobilidade. Walter Zenga, guarda-redes italiano dos anos 80 e 90, ironizou quando disse que "só falta taparem-nos os olhos com uma venda". O tempo transformou obediência em atrevimento e está hoje à vista que todos os guarda-redes se mexem (e bem) antes do disparo – o sujeito da acção deixou de ser só o marcador. Nestes momentos, o futebol deriva para um tiroteio especial. Pode não ser lotaria, mas os elementos diferenciadores não são os mesmos dos 120 minutos que ficaram para trás. As forças equiparam-se. É uma decisão à bofetada que não dignifica a grandeza do jogo, mesmo que lhe confira elevado sentido emocional e apele a todas as superstições.
O medo alheio é uma arma do guarda-redes, por lhe assegurar vantagem táctica. Há quem faça tudo, por vezes até em demasia, para enervar o marcador, prolongando a angústia da espera, beliscando a confiança, gerando desgaste, criando nervos que diminuem a precisão. O penálti, que deixou nesta época de ser grande penalidade para o International Board, é o caminho mais próximo e seguro de todos quantos a lei autoriza para chegar ao golo. Antes, os envolvidos dividiam a esperança e a ameaça, num momento cuja decisão é desigual: alívio para um, dor para outro. Não é justo extremar sentimentos por tão pouco, nem é bonito que o jogo se decida num fuzilamento impróprio, apesar de ser potencial criador de heróis e vilões. Em 2018, pelo andar da carruagem, pode até definir o campeão do Mundo.
Modric e Rakitic são a alma croata
Modric e Rakitic estão para a Croácia, por talento e funcionalidade, como Xavi e Iniesta estiveram para o grande Barcelona – falta-lhes Messi mas esse é exemplar único e irreproduzível. O segredo para beneficiar da dupla magistral é encontrar forma de os integrar no colectivo. Com os russos jogaram muito recuados, com períodos de liberdade. Foi nesse parêntesis que a equipa jogou melhor e foi mais criativa.
Inglaterra mais forte que nunca
Quem apostava neles fazia-o em exclusivo com o coração; agora, quem põe as fichas nos ingleses pisca o olho à fortuna. A selecção de Gareth Southgate concentra, como nenhuma outra antes, qualidade individual com novas tendências estratégicas, tácticas e metodológicas. O esforço tem, pelo menos, duas décadas, mas só agora a ideia foi assimilada e até desejada pelos jogadores. Os adversários que se cuidem.
CR7 não deve perder o trono
Ronaldo foi um furacão que passou pelo Mundial: fez três golos à Espanha, um a Marrocos e saiu sem ruído. O problema é que Messi, Neymar, Salah e outros potenciais ‘Bola de Ouro’ também já estão em casa. A menos que nasça um herói esmagador até ao fim do Mundial, um Paolo Rossi dos tempos modernos, por exemplo, o trono vai continuar a ser de CR7. Mais ainda em ano de transferência para a Juventus."
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