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quinta-feira, 5 de julho de 2018

Franz Beckenbauere o joelho de Pavarotti

"Sochi - Mais de 30 anos a viajar por Portugal e pelo mundo atrás daquela a que o eterno Torga poderia ter chamado a mágica senhora das paixões, a bola, fez-me cruzar, conhecer e fomentar amizades com os grandes do futebol de todas as gerações, dos meus queridos Eusébio, António Simões e José Augusto a Ronaldo, que será sempre para mim um menino, do senhor Coluna a Pelé e a Bobby Charlton, passando por Platini, Tostão, Cruyff, Di Stéfano, Just Fontaine, Rinnus Michels e um nunca mais acabar de nomes aos quais junto, com um carinho infinito, todos aqueles com quem vivi, na selecção nacional, o Europeu de 2004 e o Mundial de 2006, os dois anos mais competitivos da história daquela que Ricardo Ornellas apelidou de equipa-de-todos-nós.
Mas ia-me perdendo. Vinha para falar de Beckenbauer, Franz, o Kaiser (sem aquele bigode apepinado de Guilherme II), e é dele que vou falar.
Era Janeiro, fazia um frio de rachar, parecia que o mundo inteiro se tinha unido para me tramar, como canta outro benquisto amigo, Rui Veloso, e eu estava em Munique, ruas pejadas de neve.
Um céu sem pássaros.
Ia encontrar-me com Beckenbauer, na altura presidente do Bayern de Munique. Christina Neumann, a responsável pela comunicação do clube, fez questão que, antes da entrevista marcada com Franz, que viajaria a meu lado, no dia seguinte, no avião para Lisboa, víssemos o reinício do campeonato alemão, finalizada que estava a pausa de inverno.
Estádio Olímpico: Bayern de Munique-Hamburgo.
Aos 11 segundos, o brasileiro Élber marcou o golo mais rápido da Bundesliga.
Em cheio!
Beckenbauer sorria um sorriso de anfitrião.
Lá está, seráfico como Beckenbauer…
Franz Anton Beckenbauer tem aquele ar severo de cavalheiro prussiano mas é, como se costuma dizer, um rapaz da porta ao lado. Tranquilo, calado, sem peneiras.
Quase ia a escrever: sem peneiras como aqueles que não precisam delas para acrescentar centímetros ao seu tamanho.
Eu tinha lido o livro de Beckenbauer. Convenci-me, sei lá por que raio de ideia súbita que me brotou dos interstícios do encéfalo, de que seria um bom tema de conversa. Ele amofinou-se. Não comigo, mas com o livro: “Foi um verdadeiro sacrifício. Que ideia tão estúpida. Não tenho o mínimo jeito para algo do género. Nem sei porque resolvi aceitar o projecto da editora.”
Que eu saiba, não chegou a ser traduzido para português: chamava-se qualquer coisa como “Eu Conto Como Foi”, numa liberalíssima versão absolutamente minha. Aliás, convenhamos que a expressão liberalíssimo encaixa perfeitamente em Beckenbauer. Diziam que era um líbero, mas na verdade era, de facto, um liberalíssimo.
Franzi, como alguns dos amigos lhe chamam, contou-me: “Pressionaram-me bastante para publicar histórias que fui acumulando ao longo da minha carreira, episódios que reparti com gente das mais diversas áreas, desde a política às artes. Por exemplo, quando joguei no Cosmos, com Pelé, cada vez que entrava no balneário ficava com a sensação de que estava em Hollywood.”
E, em seguida, falou de Pavarotti, Luciano Pavarotti: “Conheci-o pessoalmente no Metropolitan de Nova Iorque. Um tipo extraordinário! Grande apreciador de futebol. Veio ter comigo, dobrou um joelho até tocar o chão e exclamou: ‘Maestro!’ Claro que aquilo confundiu um bocado os americanos presentes, que percebiam pouco ou nada de futebol e nem sabiam quem eu era.”
Pavarotti e Freni na “Bohème”: nada pode estar mais perto da perfeição.
Os joelhos de Beckenbauer e de Pavarotti nunca lhes terão dado problemas por aí além, segundo sei. Já os corações, alvoroçados, levaram ambos às mesas de operações. Um falava pouco, o outro cantava tanto, tanto. Estremecia com a voz o arcaboiço de um homem. E foram ambos estrelas. Pavarotti, tanto na terra como no céu."

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