"Como a intervenção espontânea e obsessiva de Bruno de Carvalho na Assembleia da República se tornou numa dádiva de valor inestimável.
Um dia inteirinho de pesada e demasiada estrutura programática na belíssima e digna sala do senado, na Assembleia da República, só para se falar de desporto. Desta vez, não do desporto prazenteiro, bem sucedido e pronto à homenagem com fotografia de família, mas do desporto visto através de um dos seus problemas mais preocupantes: a violência.
Demorou a preocupação parlamentar, tardou a responsabilização política, surpreendeu a desvalorização do governo mas, enfim, a política, com todo o seu carrego de análises de prós e do contra, acabou por entender ser melhor mover-se do que, mais tarde, vir a sofrer o dissabor de ser apontada a dedo na eventual responsabilidade, por inacção e desleixo, de uma qualquer tragédia nacional provocada em recinto desportivo ou seus arredores.
O acontecimento, traduzido em forma de conferência pública, acabaria por ter um efeito inesperadamente conclusivo: Por duas razões essenciais: a primeira, pela responsabilidade efectiva, que foi totalmente assumida por muitos dos participantes que tiveram o respeito que é devido à grande casa da democracia e de todo o povo português, estruturando as suas intervenções, enriquecendo-as com uma argumentação assente no conhecimento e apresentando conclusões objectivas; a segunda, mais imprevista, mas não menos importante para a análise e futura decisão política, pela espontânea intervenção do presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, que ofereceu, em directo e ao vivo, uma visão clara do que está, verdadeiramente, no cerne da questão do quadro de violência verbal em que assenta um inquietante clima de conflito global, que deforma consciências, vandaliza as emoções clubísticas, tornando-as cegas de tão extremas, que arrasa qualquer conceito de valor e ideal desportivo, que penetra e mobiliza as hordas mais sectárias dos adeptos mais violentos e que usam os clubes como escudos da sua obscura acção.
Sem querer, Bruno de Carvalho conseguiu transmitir ao evento a natureza de uma realidade que, por norma, não é expectável encontrar num cenário tão formal. E essa foi a inestimável dádiva que o presidente do Sporting a todos ofereceu, naquele seu modo directo, rude e sem filtro, que usa para atirar argumentos e verdades únicas à cara de todos os que se atrevem a discordar ou, pura e simplesmente, a não dizer sim.
Evidentemente que a constante e quase obsessiva intervenção do presidente do Sporting pode ter soado a uma intolerável incontinência a quem está habituado a uma certa lógica de formalismo comportamental, mas teve, em si mesma, a extraordinária virtude de toda a gente, mesmo gente que apenas teria uma leve ideia do que verdadeiramente estava em causa, perceber, com rigor, de que estávamos todos, ali, a falar.
Quando Bruno de Carvalho anunciou que «toda a gente só estava ali porque existem clubes» e reformulou qualquer tese científica da essência nuclear do desporto; quando proclamou que só faltava os jornalistas «exigirem carro com motorista» para irem trabalhar para os estádios; quando se insurgiu contra o presidente da Federação, da Liga, da APAF; quando duvidou de pertinência do ministério público e do Conselho Superior da Magistratura; quando atacou a qualidade e oportunidade de intervenção das forças de segurança, que tinham apresentado números e factos de incidentes, Bruno de Carvalho, embora sem o suspeitar, tornou-se uma figura imprescindível para que o sector político, menos conhecedor das razões que verdadeiramente preocupam o universo desportivo, pudesse, enfim, entender a realidade em toda a sua dimensão.
(...)"
Vítor Serpa, in A Bola
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