"Depois do encontro em Madrid, Bruno de Carvalho decidiu dar, também, uma de presidente-jogador.
Bruno de Carvalho escreveu no Facebook aquilo que muitos adeptos sportinguistas terão, certamente, sentido durante os 90 minutos do jogo com o Atlético Madrid: Coates teve uma noite desastrada e Mathieu não esteve muito melhor; Gelson podia ter feito muito melhor naquele lance em que apareceu isolado perante Oblak; Coates e Montero podiam (deviam até) ter metido a bola na baliza nas duas oportunidades que tiveram na segunda parte; Bas Dost e Coentrão não podiam, estando à bica, ter visto cartões amarelos em lances escusados que os afastam da segunda mão. Admite-se, até, que em casa ou nas conversas de café com os amigos os adeptos sportinguistas tenham, num momento de frustração, usado as mesmas expressões que viram, depois, Bruno de Carvalho usar para descrever (quase como se de uma análise jornalística se tratasse...) as exibições de alguns dos seus jogadores no encontro.
Há, contudo, uma enorme diferença entre Bruno de Carvalho e todos os outros adeptos do Sporting. É que Bruno de Carvalho é, além de adepto, o presidente do Sporting. E; embora ache que não, isso impede-o de dizer - ou escrever... - tudo aquilo que pensa. Porque o presidente de um clube (ainda mais de um clube com a dimensão do Sporting) não pode pensar como um adepto. Tem obrigações que um adepto normal não tem e uma delas é zelar pela estabilidade do clube. Ao fazer o que fez nas horas que se seguiram à partida de Madrid, Bruno de Carvalho mostrou duas coisas:
1) que tem um profundo desprezo pelos jogadores - quem o ouviu a discutir com Joaquim Evangelista na Assembleia da República já ficara com essa ideia;
2) que julga estar acima de tudo e todos, inclusive do próprio Sporting.
E será, mais tarde ou mais cedo, esta ideia, sempre presente, de que ELE é o Sporting que o fará cair. Porque o Sporting existia antes de Bruno de Carvalho e continuará a existir depois dele - e, percebe-se, continuará a existir de forma bem mais tranquila depois dele.
Que Bruno de Carvalho se orgulhava do estatuto de presidente/adepto todos sabíamos. Que tem tiques de presidente/treinador todos desconfiávamos. Mas depois do encontro de Madrid, Bruno de Carvalho decidiu dar, também, uma de presidente/jogador. Percebeu-se, com aquele post, que Bruno de Carvalho seria, se para isso tivesse oportunidade, um dos melhores avançados do mundo. No lugar de Gelson Martins teria «fuzilado, para a esquerda» e nunca «tentado colocar em jeito». Quando se isolasse como Coates, «focado e concentrado», teria «rematado» e nunca faria «um passe para Oblak». E se apanhasse, já perto do fim, aquela bola de Montero ter-lhe-ia dado um «simples encosto» e nunca, mas nunca, desperdiçado «um golo feito com um remate para o céu». Que não restem dúvidas, se fosse jogador Bruno de Carvalho marcaria dez golos em dez oportunidades. Seria um craque, talvez até melhor do que Cristiano Ronaldo ou Messi. Nunca falharia. Da mesma forma que, na sua cabeça, nunca falha como presidente. O problema, claro, é que a nossa cabeça, muitas vezes, prega-nos partidas. E - percebe-se até pelos muitos vídeos onde se pode ver Bruno de Carvalho a dar uns pontapés numa bola - há sempre uma enorme diferença entre aquilo que se imagina fazer na cabeça e aquilo que se consegue, efectivamente, fazer com os pés. Ou com caneta. Ou atrás de um teclado.
A crise aberta no Sporting pelo seu próprio presidente não ficou, convém dizer, ontem resolvida. O que aconteceu foi um recuo de Bruno de Carvalho, forçado a não concretizar a ameaça de suspender os jogadores que, como seria de esperar, lhe responderam também de forma pública. Tratou-se de uma primeira lição para Bruno de Carvalho, que talvez tenha enfim entendido que há limites que não pode ultrapassar. Mas as divisões entre o presidente e o plantel não ficaram, ao que se sabe, sanadas. O pó foi varrido para debaixo do tapete, mas continua lá. E mais tarde ou mais cedo o tapete terá de ser levantado."
Ricardo Quaresma, in A Bola
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