"Não chega denunciar erros. É importante explicá-los e apontar soluções.
Ultimamente preferimos outras áreas. A de medir intensidades, contactos e toques. Andamos de microscópio numa mão e de régua e esquadro noutra. É tudo analisado à lupa. Caiu? Se calhar foi empurrado. Tocou? Se calhar desequilibrou- Espirrou? Se calhar constipou. Somos a nova brigada do escrutínio televisivo. Jogamos outro jogo. O das imagens travadas, repisadas, ampliadas. Nós, que comentamos arbitragem, fazemos parte dessa filosofia perversa. E não podendo combater essa inevitabilidade, o mais justo é que exerçamos esse papel aliando sentido ético e independência à pedagogia e honestidade intelectual. Usar sarcasmo para fazer referência a erros é feio. Fazer referências ao peso, tamanho e aspecto físico dos árbitros também. O homem que hoje analisa o árbitro foi árbitro ontem também. Sabe, sente e pensa como um árbitro. Tem obrigação de perceber porque acerta e sobretudo, porque erra. Do comentador de arbitragem moderno espera-se, por isso, uma mensagem coerente, digna e construtiva.
O tempo da crítica factual e redundante, que apenas apontava para a evidência do sintoma sem propor a cura, já passou. E passou porque, para isso, qualquer um serve. Qualquer adepto sabe dizer se foi penálti, amarelo ou vermelho. Ou se não foi. O comentador de arbitragem moderno deve diferenciar-se pelo valor que acrescenta ao debate. Deve diagnosticar, claro, mas também explicar. Apresentar soluções. Deve contribuir para uma discussão positiva e diferenciadora. Da minha parte, fica o compromisso: o de tentar trazer, para análise, as sensações de cada jogo dirigido. O de tentar sustentar cada ideia, fundamentar cada ponto de vista. Sem corporativismos. Com a simplicidade que as coisas simples devem ser tratadas.
Dito isto e regressando agora às incidências das últimas jornadas (lá está, recheadas de momentos puramente televisivos), é mais do que justo ter a capacidade de reconhecer que as coisas não têm corrido bem. As falhas ocasionais acontecem e acontecerão sempre. São fruto da dimensão humana que o futebol deve permitir humana que o futebol deve permitir e tolerar. Mas as falhas recorrentes indicam um padrão, uma linha de actuação, que uma classe inteligente e competente não pode nem deve ignorar.
Sabemos que os árbitros de hoje estão sujeitos a escrutínio apertado e grande pressão exterior. Mas essa realidade, inultrapassável, deve ser encarada como desafio e não como constrangimento. De tudo, o que mais salta à vista é a (in)coerência: lances semelhantes com decisões diferentes, entradas iguais com punições distintas. Para reflectir.
Depois há a outra questão: a do VAR. Todos reconhecemos que a tecnologia é fundamental para a verdade desportiva. No entanto, é justo reconhecer também que nem tudo está a correr como seria expectável. Sem prejuízo das decisões correctamente alteradas e da fase embrionária em que se encontra o projecto, há afinações importantes para fazer. E depois há as tais questões que a sensibilidade geral das pessoas (e quando são quase todas, é prudente ao menos ouvi-las) sugere com pertinência. Uma era a de ter o mesmo número de câmaras, colocadas nos mesmos locais, em todos os estádios (dentro do que fosse operacionalmente viável), para garantia de equidade. Outra era fixar uma câmara em cada linha de baliza, para aferir situações de golo/não golo, ajudando a repor justiça nesses lances. Uma outra ainda passaria por ter meios de produção próprios (que o protocolo prevê e que era um caminho possível), o que acrescentaria credibilidade a todo o projecto e retiraria suspeitas desnecessárias relacionadas com o sinal disponibilizado pelos operadores. E tal como estas, muitas, muitas outras.
Num processo novo, todas as sugestões fazem sentido, nem que seja para excluir as que são inúteis. Afinal de contas, estamos todos do mesmo lado."
Duarte Gomes, in A Bola
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