"Foi há 39 anos que o Benfica teve a última oportunidade para ser tetracampeão. Em 1977/78 não o conseguiu ser, apesar de não ter perdido um jogo e de ter acabado com os mesmos pontos do FC Porto, que venceria o campeonato. António Fidalgo era o habitual suplente de Manuel Bento, mas foi o titular no jogo das Antas que, a três jornadas do fim, decidiu tudo. E contou-nos o porquê de ter sido a última partida desse campeonato a fazê-lo querer sair do clube da Luz, um ano depois
- Perder um campeonato em que a equipa acaba sem derrotas e com os mesmos pontos que o FC Porto: qual foi a sensação?
- É verdade, acabámos sem derrotas, com muitos poucos golos sofridos [foram 11] e só fiz três jogos, salvo erro. Mas joguei aquele célebre jogo nas Antas, em que o empate permitiu ao FC Porto ser campeão.
- Até houve um autogolo.
- Sim, foi quase a acabar. Houve um livre à entrada da área, depois houve um alívio do Alberto, se não me engano, e o Ademir, de recarga, marcou o golo.
- No velho Estádio das Antas, o ambiente não devia estar fácil.
- Estava completamente cheio, a transbordar mesmo. Até havia muitas pessoas bem perto da minha baliza. O FC Porto não era campeão há 19 anos. Nós, nos últimos jogos, tínhamos tido dois empates em casa muito comprometedores. Se bem me recordo, foram com o Braga e o Portimonense. Esses empates permitiram que o FC Porto se aproximasse e esse antepenúltimo jogo, nas Antas, praticamente decidia tudo. Ficámos em igualdade de pontos.
- O que decidiu foi a diferença de golos.
- Isso já não me lembro bem, mas veja lá, é melhor [ri-se]. Mas sim, acho que o Benfica e o FC Porto acabaram com os mesmos pontos.
- Foi mesmo: acabaram os dois com 51 pontos, mas o FC Porto teve uma diferença de +60, melhor que a do Benfica (+45).
- Não me recordo bem disso, francamente. Mas lembro-me bem do jogo, porque o Bento tinha sido expulso em Setúbal. Ele era o titular. E eu, a seguir, fiz três jogos - dois no Estádio da Luz, com o Estoril e com o Feirense, se não me engano, e fiz esse nas Antas. Curiosamente, no último jogo do campeonato, fui outra vez para o banco. Aliás, há uma coisa curiosa, não sei se interessa.
- Diga, diga.
- O último jogo foi contra o Riopele [onde jogava Jorge Jesus], que ainda estava na primeira divisão, e o Riopele jogou no estádio do Braga, para encher. E eu tinha jogado no Braga na época anterior…
- Até foi considerado o melhor guarda-redes do campeonato, pela “A Bola”.
- Exacto. E tinha uma afeição grande à cidade e ao público. Como era o último jogo do campeonato, pensava que ia jogar. Quando fui para suplente, posso-lhe confidenciar que foi aí que decidi que ia sair do Benfica. Já não havia hipótese. Eu compreendia que o Bento jogasse, mas, se eu não jogava naquele jogo, nunca iria jogar mais.
- Chegou a falar disso ao John Mortimore?
- Não, não, não, falei com os meus colegas. Aliás, foi um colega meu que, antes do jogo, me disse: ‘Olha que não vais jogar’. Como era o último jogo, achava que não comprometia nada o facto de eu jogar. Então, acabou. Ainda fiz mais um ano no Benfica, mas foi aí que decidi.
- Foi a gota de água.
- Tinha feito uma época muito boa em Braga. Voltei ao Benfica e não tinha oportunidade de jogar porque era o Bento, era normal. Mas não jogar naquele jogo deu-me uma tristeza muito profunda. Já tinha jogado nas Antas, que foi um vulcão em erupção, e sinceramente achava que ia jogar em Braga. Até me lembro de ver macas a passarem atrás da baliza, que dava para o acesso aos túneis, porque estava ali muita gente afecta ao FC Porto. Foram ao nosso jogo porque estavam extremamente ansiosos, não ganhavam o título há 19 anos, tinham a festa preparada.
- Vocês, no balneário, falavam muito sobre o tetra?
- Sim, falávamos. As recordações que tenho da altura é que pensávamos mesmo que íamos ganhar o campeonato. Aqueles empates em casa deitaram tudo a perder, mas tínhamos a convicção que íamos ao Porto ganhar. Mas o FC Porto também tinha grandes jogadores nessa altura, com o Pedroto. Infelizmente, não conseguimos. Eles deram tudo o que tinham. Às vezes ainda falo com o Humberto Coelho sobre esse jogo e sobre um lance do qual me recordo sempre: ele teve a hipótese de fazer o segundo golo muito pouco tempo antes de o FC Porto marcar. Ainda no outro dia, a falar com o Fonseca, que era guarda-redes do FC Porto, recordámos isso. O Humberto recebeu um cruzamento ali à entrada da pequena área, sozinho, rematou e acho que o Fonseca defendeu com o pé, a bola bateu na barra e saiu. Passados poucos minutos, foi o golo do FC Porto.
- E o Humberto Coelho, nessa altura, era um dos líderes do balneário, certo?
- Sim, era o Humberto e o Toni, mais do que todos. Era os grandes líderes, líderes a sério. Assumiam bem o papel e lembro-me que me apoiaram mesmo muito antes do jogo, durante a semana. Confiaram em mim e foi óptimo sentir isso da parte dos colegas, porque estava sem jogar durante quase toda a época. Mas tinha presente a época que tinha feito no Braga, que foi muito boa.
- Mas chegou ao Benfica e teve de competir com o Manuel Bento. Como é que eram os treinos?
- Bem, era terrível. O Benfica, naquela altura, tinha treinos de conjunto que, muitas vezes, eram mais acesos que alguns jogos do campeonato. O plantel era muito competitivo e lutava-se muito nos treinos para ter um lugar não só na equipa, como nos convocados. Nessa altura, o Benfica ganhava três campeonato, o Sporting ganhava um, e depois o Benfica ganhava outros três. Nesse ano, foi o FC Porto.
- E ainda tinha de levar com os remates de gente como o Nené, o Chalana, o Vítor Baptista ou o Shéu.
- E, de vez em quando, o Eusébio ainda treinava connosco. Os meus treinadores de guarda-redes, tanto no Benfica como depois no Sporting, eram normalmente os jogadores ou os adjuntos. Não havia técnicos de guarda-redes. Os treinos quase que se resumiam a isso. Praticamente não éramos englobados nos treinos táticos, hoje em dia é tudo diferente. Éramos autodidatas.
- Os treinos de finalização não eram frustrantes? Devia chegar a poucas bolas, com aqueles jogadores.
- Não, sempre me deu um gozo particular. Eu gostava muito de fazer treinos de baliza, treinos técnicos. Confesso que não gostava muito de correr. Mas, fizesse sol ou estivesse chuva, adorava estar na baliza. Depois, quando apanhei esse jogadores, muitos eram aqueles de quem coleccionava cromos, uns anos antes. O ambiente era fantástico entre os jogadores.
- Mesmo tendo jogado pouco, o António faz parte de um recorde do Benfica: 56 jogos sem perder, entre 1976 e 1978.
- Praticamente não faço parte desse recorde, porque quase nunca joguei [ri-se]. Nem sabia disso, francamente. Pouco jogava. Mas é óptimo, claro. Nessa temporada lembro-me que estava um pouco esgotado, porque tinha feito a tal época anterior de grande nível, e o Bento, realmente, não dava hipótese. O Bento trabalhava por cinco jogadores, era um excelente guarda-redes. Tinha uma agilidade tremenda e trabalhava muito. Não sei se vai parecer muito mal dizer isto, mas ele trabalhava muito mais do que eu.
- Não há problema nenhum em dizê-lo, estamos a falar do Bento.
- Claro. Mas, depois do ano no Braga e de ter oportunidade de fazer aqueles três jogos no fim da época, senti uma dor que nunca mais me saiu por não ter jogado aquele último jogo. Porque foi em Braga e estavam os meus amigos todos e a minha família na bancada, para me verem jogar [acabaria por substituir Bento a 12 minutos do fim do jogo]
- E, por cima de tudo isso, não conseguiram o tetra.
- Sim, mas quer dizer, isso já era difícil. Acreditávamos que íamos ganhar os dois últimos encontros, mas sabíamos que muito dificilmente, naquele contexto, o FC Porto iria deixar escapar o título. E pronto, ganhámos os jogos que faltavam e eles também."
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