"Percebemos todos que sente o trabalho em equipa. As vitórias do Rui Vitória são também o reflexo de uma moral colectiva
Escrever é uma responsabilidade e, também, por vezes uma necessidade. Uma necessidade de viver. E de expressar o que se sente e o que se pressente. Mas é, também, uma forma especial de agradecer a exuberância de vida. Da vida. Desta nossa vida. Escrevo-lhe, meu Caro, a vinte e quatro horas do arranque do último jogo da nossa Liga. Daqui a pouco estará em directo a antecipar, com o habitual respeito pelo adversário, o confronto com o Nacional da Madeira. Sabemos que é a final derradeira. Os noventa minutos decisivos. Li, neste dia, e com a atenção merecida, o seu interessante livro A arte da guerra para treinadores. E li-o de um fôlego e reconheço que «conhecendo-se a si próprio como ao inimigo, o comandante conduzirá a sua equipa até à glória, baseando-se na sabedoria, na coragem e no rigor». Três palavras que são três conceitos. E três formas de encarar a vida, e logo, o quotidiano. Percebi, desde que o escutei pela primeira vez há alguns anos, que o meu Caro combinava o saber com o rigor. A ciência com a vida. Que alguns afirmam com o seu exclusivo empirismo o que leva outros, sempre deslumbrados com a espuma das ondas, a considerar este empirismo como uma quase que universidade! Em letra pequena necessariamente!!! Mas o meu Caro também se afirmou, desde o primeiro instante, como um homem corajoso. Sendo ao mesmo tempo cortês. Mas assumindo a cortesia como virtude e não, como outros, uma atitude esforçada de consideração. Percebi como ensina, e me ensina, a minha querida irmã - e também fervorosa benfiquista - a Professora Isabel Roboredo Seara, que «a cortesia promove o encontro, o diálogo e, através de uma multiplicidade de formas, representa o primeiro sinal de respeito pelo outro, na sua singularidade e na sua alteridade, na sua dignidade» .E esta dignidade, esta sua dignidade, foi uma das grandes vitórias nesta época. De transição e que foi também de afirmação. Época difícil, é certo. Época complexa, é inequívoco. Época que exigia coragem, muita coragem, é indiscutível. Época que impunha muita energia, mesmo muita energia. Desde logo energia interior. Sabemos os dois, já que somos ambos do signo carneiro, que, por vezes, a nossa teimosia pode ser excessiva. Mas somos resistentes e persistentes. Não desistimos. Sabemos sofrer, mesmo na maledicência. Lutamos. No e pelo que acreditamos. E no e pelo que ambicionamos. E sei bem que o Professor Rui Vitória alia a competência do saber com a vivência do relvado. Dos diferentes relvados. Relvados e pelados. Sei, como refere naquele seu livro, que «aquele que não se conhece a si mesmo nem ao inimigo será derrotado em todas as batalhas». E sei que, ao contrário do que alguns pensavam e outros quase que antecipavam, está a um pequeno passo de conquistar a Liga portuguesa e de concretizar para o seu - e nosso - Benfica o tricampeonato. Sei bem que não há vencedores antecipados. Sei bem que o Nacional é uma equipa aguerrida e com um treinador inteligente e competente. Não estou minimamente eufórico. Antes: já estou com um nervoso miúdo. Mas nada me impede de lhe dizer, hoje e aqui, a minha admiração pelo trabalho que realizou. Imenso e intenso. Recordo bem que o Benfica se sagrou tricampeão nacional em 1977 e numa época em que o campeão e capitão Mário Wilson foi afastado e substituído por John Mortimore e que só ganhámos o primeiro jogo à quarta jornada, em 25 de Setembro de 1976, e com uma vitória sobre o então designado Académico de Coimbra. E quase um mês depois é chumbada em Assembleia geral extraordinária a proposta que concedia poderes à Direção para contratar estrangeiros! Tinha então o meu Caro seis anos! E relembro tudo isto para lhe dizer que agradeço a sua paciência e a sua perseverança. A sua prudência e a sua inteligência. A sua vontade e a sua sinceridade. A sua sensibilidade e a sua responsabilidade. A sua generosidade e a sua fidelidade.
O abraço que recebeu do Presidente Luís Filipe Vieira - também resistente e persistente - logo a seguir ao final do jogo com o Marítimo foi a expressão de uma fidelidade que é, igualmente, uma sentida solidariedade. Vivida e partilhada. E, nesse instante, conjugou-se a liderança com a perseverança. A maturidade com a humildade. A oportunidade com o optimismo. E percebemos todos que sente o trabalho em equipa. As vitórias do Rui Vitória são, também, o reflexo de uma equipa técnica dedicada, dos jogadores e de uma moral colectiva, dos treinos adequados, das tácticas principais, das opções feitas, das estruturas de apoio e de suporte, do Presidente e da estrutura da SAD e, ainda e como síntese perfeita, dos milhares de adeptos anónimos que puxaram, e muito, pela equipa. Desde logo naquele minuto setenta. Mas, igualmente, em todos os outros segundos em que a alma benfiquista disse sempre presente!
Estamos, aqui, perante a consagração dos ramos da árvore de que nos fala Carlo Ancelotti e dos poderes de um «líder» que Jorge Valdano identifica num livro igualmente bem interessante. E onde entram o poder da paixão e o poder do balneário, o poder da simplicidade e o poder do estilo, o poder da esperança e o poder do talento. E, como síntese, diria com a cereja no topo, o respeito pelo outro, pelos outros. Que é um sinal de educação. Acredito meu Caro que hoje ao final da tarde voltará, como relata no seu livro em outra circunstância vitoriosa, a olhar para o Céu. E acredito que os seus Queridos Pais - como os meus permita-me! - estarão lá em cima a chorar de alegria. Como com o neto quase a nascer.
Mas, acima de tudo, partilharemos a sua alegria. Justa e merecida. Que nos fará olhar e fará sentir. Já que nos fez olhar e fez sentir. Aceite um abraço apertado do,
Fernando Seara"
Fernando Seara, in A Bola
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