"Corria a época 1971/1972. E o investimento decidido na maturidade dos seis anos já vividos era certo e seguro. Cromos.
Não havia semana em que, percorrido o trajecto de casa ao café da freguesia, não depositasse sobre o velho balcão de madeira os poucos tostões mendigados à bondade materna e paterna em troca dos preciosos rebuçados, que, cuidadosamente desembrulhados, revelavam, um após outro, os jogadores principais das equipas em competição no campeonato português de futebol.
A caderneta era então, compreensivelmente, um tesouro que aumentava à medida que cada espaço, antes em branco, era preenchido por um novo jogador, quase sempre só conseguido depois de muitos mais repetidos ou negociado criteriosamente com outros investidores amigos.
Claro está, como sempre sucede com as implacáveis regras do mercado, também eu ia sofrendo as contingências da oferta e procura. E um jogador raro poderia valer uma mão-cheia de outros, rebuçados à parte, evidentemente, degustados, por cautela, logo após a aquisição.
Tamanho empenho justificou, por isso, que o tempo gasto e as despesas feitas fossem tidos por bem empregues. Devo reconhecer, no entanto, uma dolorosa excepção. É que, finda a época desportiva, houve um último cromo que nunca se revelou. E, o que é pior, da minha equipa, e, nessa medida, um dos mais desejados. O número 10 do Benfica. Todos os demais estão lá: 1- José Henrique; 2 - Malta da Silva; 3 - Humberto Coelho; 4 - Rui Rodrigues; 5 - Adolfo; 6 - Jaime Graça; 7 - Nené; 8 - Eusébio; 9 - Artur Jorge; 11 - Simões. Mas o número 10... Esse faltou sempre. E, pergunto-me ainda hoje, qual o rosto que lhe caberia por direito. Vítor Baptista ou Jordão, talvez...
Ainda assim, verdade é que 1971/1972 acabou por se mostrar uma boa época para o Benfica. Feitas as contas, o clube da Luz sagrou-se campeão nacional, venceu a Taça de Portugal, e na Taça dos Campeões Europeus apenas foi eliminado nas meias finais pelo poderoso Ajax. Para o registo da história ficaram também resultados memoráveis, saídos dos embates contra alguns dos principais adversários: 0-3 sobre o Sporting, na 12-ª jornada do campeonato, 6-0 contra o FC Porto, para a Taça de Portugal, e 5-1 contra o Feynoord, no percurso da Taça dos Campeões.
Já quanto à minha velha caderneta, não lhe reconheço menos valor pela ausência de um único cromo. E guardo-a. Guarda-a como um tesouro imenso, capaz de me devolver à memória, de cada vez que a folheio, pedaços de um infância feliz, que o tempo faz passar. Guardo-a também com esperança. Afinal, quem sabe um dia não virei a conseguir aquele último cromo. O cromo do número 10 do Benfica."
Nuno Melo, in Mística
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