"Com a comunicação vídeo entre a Cidade do Futebol e o Estádio do Dragão a não funcionar, o árbitro Miguel Nogueira reverteu um penálti que seria favorável ao FC Porto depois de falar através de um telemóvel com a equipa de VAR. Duarte Gomes recorre às Leis do Jogo e ao Protocolo VAR para defender a decisão do juiz
Não parecem ter fim as controvérsias em torno das arbitragens. E por muito que os árbitros se ponham por vezes a jeito (põem-se, sim senhor), a verdade é que os milhões de encaixe que só o campeão beneficiará ao entrar diretamente na Liga dos Campeões sugerem que vem aí uma das épocas mais difíceis de que haverá memória.
Leram aqui primeiro.
Mas a constatação remete-me para o tema desta segunda-feira, que é o de tentar abordar o que aconteceu no Estádio do Dragão, já perto do minuto noventa.
Na prática, resume-se mais ou menos a isto:
- O árbitro da partida, depois de tomar uma decisão com base no que viu, acabou por anulá-la com base no que não viu.
Parece mal, mas a verdade é que foi mesmo assim, por isso opto por dividir este artigo em dois momentos distintos: o primeiro em relação à explicação técnica (o mais importante), o segundo quanto à opinião pessoal.
Explicação técnica
O árbitro conversou com o VAR via telemóvel (ou walkie talkie), porque uma falha local no sistema de comunicações (convém perceber o que aconteceu, como e porquê) impediu-o de ver as imagens visionadas adequadamente em sala.
Ou seja, um colega de equipa de Miguel Nogueira (no caso, o VAR) deu-lhe uma indicação técnica com base em imagens que foram analisadas na Cidade do Futebol, num sistema que funcionou sempre, mas que devido a uma falha momentânea no estádio, não permitiu que o árbitro as pudesse ver também.
Apesar de não ser o cenário ideal - o protocolo recomenda que os árbitros visionem, por si próprios, lances subjetivos como aquele - é importante que fique claro que aquela é uma situação permitida, quer pelo Versão Oficial do Protocolo VAR (14, a mais recente), quer pelas próprias Leis de Jogo (sobretudo no capítulo referente à vídeo arbitragem).
Em vários dos seus pontos, encontramos fundamento legal para que a tal comunicação áudio sirva para alterar a decisão inicial.
Vamos a exemplos?
1) Pág. 142 - Leis de Jogo
- “A decisão final será sempre tomada pelo árbitro, seja baseada na informação do VAR ou depois do árbitro efetuar uma revisão”.
2) Pág. 146 - Leis de Jogo
- “O VAR pode recomendar uma revisão”.
- “O VAR descreve ao árbitro o que pode ser visto nas repetições de TV e então o árbitro (...) toma a decisão final baseado na sua própria perceção, na informação do VAR e, quando apropriado, na dos restantes colegas (...)”.
3. Protocolo VAR, Versão 14 - Pág.18
“Em todas as situações, uma decisão pode ser revista baseada unicamente numa informação do VAR” (traduzido para português, versão oficial está na língua inglesa).
4. Protocolo VAR, Versão 14 - Pág.28
“Se só falhar o sistema de comunicações (...) o 4A deve notificar os elementos técnicos dos dois bancos que qualquer revisão que possa ocorrer será conduzida via walkie talkie (...)”
Quanto ao protesto de jogo com base neste motivo, as leis de jogo também parecem ser claras:
Validade do jogo:
“Em princípio o jogo não será invalidado por motivo de avaria (...), decisões incorretas que envolvam o VAR (...), decisões de não rever uma infração e revisão de situações/infrações não passíveis de revisão”.
Não parece haver grandes dúvidas que a decisão de reverter o pontapé de penálti com base na informação áudio prestada pelo VAR está sustentada nas regras, tal como está a que permite um árbitro assistente ou um 4.ª árbitro ter idêntica iniciativa (não esquecer que o VAR é apenas mais um elemento da equipa).
Aliás, para quem não sabe, aconteceu exatamente a mesma situação há não muito tempo, no Torreense - Nacional (por duas vezes até) e, mais notoriamente, num Schalke 04 - Manchester City, da Champions League em 2019, com o árbitro da partida a assinalar um pontapé de penálti por alegada mão/braço de Otamendi... sem ter revisto as imagens junto ao relvado.
Opinião pessoal:
Penso que o que mais chocou foi a imagem que toda aquela situação projetou para o exterior. As pessoas não esperam - aliás, o futebol não espera - que um árbitro se desloque para a zona de revisão de um lance decisivo e, em vez de analisar a jogada por si mesmo, faça uma chamada telefónica e decida alterar a decisão com base no que lhe é dito.
Pode ser legal, mas não é "legal" nem parece ser esse o espírito que presidiu ao surgimento da VÍDEO-arbitragem.
O futebol também se vende pela credibilidade que tem e, sobretudo, pela credibilidade que aparenta ter e este insólito, por muito legítimo que seja, não favorece a essência subjacente ao nascimento de uma tecnologia criada para ajudar, com imagens, a única pessoa que pode decidir (o árbitro).
Não há sistemas perfeitos e a tecnologia VAR é ainda um bebé face ao que pode vir a ser nos próximos anos.
Para memória futura, um pequeno-grande detalhe (de circunstância): naquele lance, com ou sem imagem, com ou sem áudio, foi tomada a melhor decisão e toda esta controvérsia seria muito maior se o erro de campo se tivesse mantido.
Preso por ter..."
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