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terça-feira, 25 de outubro de 2022

A (in)sustentável dureza do erro


"É um mal entranhado, encostado, disseminado e, neste novo tempo, infinitamente sangrado pela veracidade das redes socias, mas também pela mediatização das palavras dos sábios, todo-poderoso, de microfone na lapela, os ditos 'especialistas da especialidade' a quem é oferecido espaço de antena para 'picar carne'. No desporto em particular, como na sociedade em geral, a excessiva, desregulada e cada vez mais fácil penalização do erro é um exercício sem boas intenções, que só deprecia, amarrota, envergonha e enxovalha, no cumprimento de uma estratégica que, pelo potencial de reações desencadeáveis, reserva palco inter pares.
O maldizer é um automatismo que acende holofotes, cá outro lá. Em Inglaterra, um dos melhores e mais versáteis futebolistas do mundo na actualidade, João Cancelo esteve envolvido no lance que acabou por conduzir o Liverpool à vitória sobre o 'seu' Manchester City na mais recente jornada da Premier League e viu-se fustigado por críticas que, muito acima de um sempre bem-vindo plano de análise racional, são mais agressões verbais e escritas do que outra coisa.
Olhe-se para a falha ou para o (eventual) erro e, apenas 'porque sim', castiga-se, pune-se, agride-se, subtrai-se o valor, faz-se uma terraplanagem. No futebol, como noutros desportos, em qualquer abordagem, por mais vertiginosa que seja, há o momento de decisão e o da execução, por muito ténue que seja a linha que os separa. Uma decisão acertada pode ser traída por uma execução defeituosa, da mesma forma que uma decisão errada pode ser salva por uma execução perfeita. Entre os melhores é recorrente pensar-se bem, mas, por qualquer motivo ou imprevisto, por vezes comcretizar-se mal. Acontece, faz parte da existência.
Os fortes e indiferentes às demais vergastadas resistem, levantam-se e seguem o seu caminho, os vulneráveis toldam-se e, involuntariamente, instigam as 'estrelas' que substituem alimentado-se do 'está mal' ou do 'é fraco', para logo voltarem à carga com o 'ele não sabe o que faz' ou 'ele não serve para este nível'. Mas regra geral, esse cáusticos de juízos previsíveis estão invariavelmente disponíveis para um posterior 'mortal à retaguarda' sob a forma de retratação pública quando o 'desanexado' flutuar nos píncaros ou tornar à ribalta. Nada de novo para quem, como Cancelo, subiu e sobre a pulso, não é verdade?"

João Sanches, in O Benfica

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