"O dérbi, escaldante como quase todos, terminou tarde. Entre as burocracias relativas ao envio do relatório e a saída do balneário, passou seguramente mais de uma hora.
Sentíamo-nos derrotados. Mais derrotados do que, porventura, qualquer uma das equipas, que em campo até dividiram os pontos.
À partida, aquilo tinha tudo para correr mal: um árbitro impreparado para aquelas andanças; um ambiente exterior crispado, potenciado por tudo e todos; adeptos distanciados por um ódio inimaginável, como se de inimigos se tratassem; e alguns jogadores bem matreiros que, diga-se de passagem, nada fizeram para fazer parte da solução.
Perante esta receita, difícil seria o cozinhado que resistisse.
Naqueles noventa minutos de jogo aconteceu um pouco de tudo: lances polémicos nas áreas, protestos excessivos, conflitos constantes, amarelos sucessivos, cartões vermelhos, erros e mais erros, pressão hostil, empurrões, discussões e contestação generalizada.
Foi um vê se te avias de tudo o que um verdadeiro espectáculo de futebol não pode nem deve ter.
Quando chegámos cá fora, parecia que estávamos dentro de um carro funerário. O ambiente estava pesadíssimo, os semblantes carregados, as expressões faciais perdidas.
Alguém ainda esboçou um ténue "devíamos comer qualquer coisa", mas o que todos queríamos mesmo era ir para casa, trancarmo-nos nos nossos quartos e ficarmos lá fechados até que o pesadelo terminasse.
Os tempos eram outros mas a fúria da opinião pública - movida por declarações irresponsáveis e por uma imprensa francamente oportunista -, encarregaram-se de fazer com que um erro de análise, um erro apenas, ganhasse proporções dantescas, como pouco se vira até então.
No epicentro do terremoto o suspeito do costume, esse ladrão sem vergonha.
O day after foi inenarrável.
Desde o cozinheiro da messe do meu local de trabalho (!!) ao vizinho mais simpático do prédio onde vivia, todos queriam bater-me. Bater-me a sério. Literalmente.
A doença psicológica da clubite é, tenho a certeza, mais patológica que qualquer outra que exista de verdade.
À porta de minha casa, umas dezenas de energúmenos, de cor bem identificada, incendiaram todos os contentores de lixo que encontraram. O meu carro ficou sem pneus, com portas e capô riscados, os pára-brisas desapareceram e, como se não bastasse, os pontapé na porta da minha casa quase a deitavam abaixo. Isto às 4 horas da manhã.
A GNR foi chamada e andou a fazer "patrulha preventiva" durante umas semanas, dada a credibilidade das ameaças que entretanto recebi.
Nas semanas que se seguiram, as coisas não acalmaram como se previa. Fui cuspido várias vezes na rua (vezes sem conta, acreditem) e insultado a toda a hora, de perto e à distância, por garotos, adultos e idosos. A ameaça e o palavrão vinham de todo o lado, mesmo de onde menos esperava.
O senhor do quiosque, onde comprava os jornais há anos, deixou de me falar e a senhora do café, onde quase sempre tomava o pequeno-almoço, disse-me que só não me chamava nomes horríveis porque o patrão avisou-a para se controlar.
O futebol é assim, espantoso. Tem a capacidade de dar, às pessoas, a maior de todas as alegrias mas, ao mesmo tempo, de transformá-las em animais ferozes, desprovidos de alma e sequiosos de sangue.
A memória desse jogo, o primeiro do género que alguma vez arbitrei, devia ser bonita mas é feia, muito feia.
A culpa será sempre do árbitro que foi enganado num penálti, não do batoteiro que o enganou. Esse disse que "apenas faz o seu trabalho".
Dizem que faz parte. Eu digo que não devia fazer."
PS: O problema é que o jogo não se resumiu ao penalty final, a expulsão do Andrade, a não expulsão do Babb, a não expulsão do Tello entre muitos outros erros... O facto é que depois de ter assinalado um penalty favorável ao Benfica, no início do jogo, o árbitro, sem 'tomates' acabou por sentir a 'obrigação' de 'compensar' os coitadinhos dos Lagartos... o resto é história!!!
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