"1957. Segundo jogo dos encarnados no Maracanã, segundo jogo contra o Flamengo. Desta vez, 0-0. A prometida superioridade dos brasileiros caía aos pés de uma organização táctica impecável e de um sistema de jogo que baralhou o adversário. Não haveria mais desforras.
Na passada semana deixei o Benfica perdido no Rio de Janeiro, se bem se lembram. Claro que este perdido é como quem diz. Depois de defrontar o Flamengo, empate a um golo, estava prevista uma ida a São Paulo, para um desafio frente ao Palmeiras, mas o assunto caiu por causa da CBF, que, tendo um Brasil-Argentina na véspera, proibiu a deslocação encarnada.
Os dirigentes benfiquistas arrepelaram os cabelos, sujeitaram-se a uma semana sem nada para fazer, os jogadores ali parados à espera da próxima exibição, outra vez no Maracanã, outra vez frente ao Flamengo, clube da moda nos dias que correm.
Serviu o interregno para que a imprensa brasileira fosse alimentando a expectativa de uma desforra. Mais de 60 mil pessoas acorreram ao Estádio Mário Filho, não só porque o primeiro confronto fora equilibrado e bem disputado, mas porque havia por parte dos rubro-negros uma declarada vontade de vencer o seu adversário lusitano de forma clara e irrepreensível. Vivia-se um tempo em que os jogos particulares, ou amigáveis, como lhes chamavam, tinham um peso fantástico. As viagens eram duras, as competições internacionais, reduzidas, tudo o que permitisse comparar a qualidade dos conjuntos era mais do que bem-vindo.
Águas, o autor do golo do jogo de 5 de Julho, recuperara completamente da gripe que o apoquentava. Jogaria na frente do ataque, apoiado por Palmeiro, Caiado, Coluna e Cavém, deixando o meio-campo entregue ao azougue de Pegado e Alfredo. À frente de Bastos, instalavam-se Calado, Serra e Ângelo.
Por seu lado, o Flamengo apresentava os seus craques: Dequinha e Joel, Duca e Henrique, Moacir e Zagalo.
Tinha tudo para dar certo, como gostam de afirmar os brasileiros. E deu!
Benfica dominador
'Costa Pereira não irá jogar', afirmava o Diário de Lisboa. 'Depois da excelente exibição que assinou no primeiro encontro, está a ser muito assediado por clubes brasileiros, sobretudo pelo Flamengo, que há muito tempo procura assinar com um guarda-redes europeu. Anuncia-se que as negociações vão tornar um rumo muito sério por parte dos dois clubes. Foi decerto por isso que Otto Glória decidiu apresentar Bastos, de forma a transmitir-lhe confiança e mostrando ao púbico do Rio de Janeiro que o Benfica tem dois guarda-redes de inequívoca qualidade'.
Costa Pereira no Flamengo?
Nunca aconteceu, como sabemos. Ficou por Lisboa, e bem. Seria herói nas duas primeiras finais do Benfica na Taça dos Campeões Europeus.
Quanto ao jogo, não seria melhor do que o que o precedeu.
A primeira parte, muito movimentada, muito dividida, seguiu-se uma segunda mais modorrenta.
O sistema defensivo montado pelos portugueses conseguiu dominar o criatividade do ataque brasileiro. 'Em globo, a turma do Benfica voltou a evidenciar conjunto mais apurado, com um sistema de marcação fácil e perfeito, e igualmente mais velocidade nos contra-ataques e na antecipação, enorme condição física dos defesas, sem falar do extraordinário ânimo que pôs sempre na luta e o qual, só por si, justificou amplamente o empate que de novo soube arrancar frente a um team tão categorizado como o Flamengo e em atmosfera que costuma perturbar até os conjuntos de maior cartel internacional'.
Vejamos,não fora por acaso que o Benfica atingira, pouco tempo antes, a final da Taça da Latina, perdida para o Real Madrid, em Chamartín, por 0-1.
Flamengo 0 - 0 Benfica.
Resultado embirrento para os espectadores pois então.
Os benfiquistas estavam-se nas tintas. Não tinham viajado até ao Rio de Janeiro para serem simpáticos. Depois dos diatribes da arbitragem no primeiro encontro, este foi dirigido com seriedade.
'Não nos parece que o Flamengo queira mais desafios de desforra'.
Com um convite honroso no bolso para seguir para os Estados Unidos, onde nunca uma equipa portuguesa pusera ainda os pés, a comitiva encarnada podia orgulhar-se da forma como mostrara aos brasileiros a qualidade e competência do seu futebol. 'A visita da equipa de futebol do Benfica aos Estados Unidos, em Agosto, foi anunciada oficialmente em Nova Iorque, por Erno Schwarcz, organizador da digressão e dirigente da Liga Norte-Americana. O campeão de Portugal tem marcados dois jogos. No domingo, 11 de Agosto, defrontará uma selecção americana no Estádio de Downing situado na ilha Randall, o segundo terá lugar em Fall River, Massachusetts, sendo o adversário uma selecção de Nova Inglaterra'.
O prestígio do Benfica espalhava-se pelo mundo. Seria incontornável. Nas décadas que as seguiram, as digressões dos encarnados estenderam-se até ao Japão, à Austrália, ao Iraque, ao Irão, a todos os países em que o futebol é a paixão mais profunda do povo e a bola a mágica senhora de todos os encantos. O planeta aprendeu a soletrar as sílabas Ben-Fi-Ca.
O Brasil fora dos primeiros. A águia voltaria mais vezes..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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