"Estávamos em 1996 e eu era uma menina de cinco anos que assistia na televisão, maravilhada, à conquista da medalha de ouro olímpica, nos 10 000 metros, pela Fernanda Ribeiro. Não sabia muito bem o que aquilo representava, o que eram os Jogos Olímpicos. Mas nesse dia quis ser olímpica, como muitas crianças querem ser bombeiros ou médicos. Era aquilo!
Comecei na natação, mas não consegui perseguir o sonho. Após uma lesão no ombro tive de tomar a decisão: operar ou desistir. Com 13 anos, saí. E não se falava, nem sequer se sonhava, em Jogos Olímpicos na piscina, tal era a dimensão do evento.
Comecei a fazer atletismo. No meu segundo treino conheci uma atleta que se tinha acabado de qualificar para os Jogos de Atenas 2004, a Vânia Silva, lançadora como eu. E foi então que comecei a acreditar. Desde jovem que fui conseguindo bons resultados nas provas nacionais e europeias. Em 2012, depois de um ano com muitos sobressaltos na rotina e na saúde, consegui a minha qualificação olímpica para Londres. Tinha 21 anos e a sensação de alcançar a meta de uma vida tão cedo fez valer a pena todos os jantares de turma de que prescindi, as queimas das fitas onde não estive, os cinemas, os cafés com amigos, os concertos, as férias na praia, as lesões que me fizeram cair a pique e até a universidade que ficou em stand-by. Os maus momentos são esquecidos neste êxtase. Pareceu fácil, mas a verdade é que só quem está no processo é que sabe o que está debaixo deste "iceberg".
Estar lá foi assoberbante. Entrei num estádio com 80 mil pessoas. Sentimo-nos pequeninos, quase como os gladiadores a entrar na cova dos leões. Sem saber se vamos vencer ou sair derrotados. Não saí triunfante desta vez, mas, como não morri, sabia que em quatro anos ia voltar a estar ali e seria com certeza melhor.
Em 2013 comecei a minha preparação rumo aos Jogos Olímpicos de 2016. Tive momentos altos e baixos. A parte má das lesões é que deixa sempre marcas. Mais cedo ou mais tarde, toca aquele “relógio”. E o pior é que tem a tendência de tocar nos momentos de maior ansiedade. E depois fica a dúvida: é só ansiedade ou ainda tenho aqui a lesão? Acreditem que dizer a nós mesmos que uma dor é “psicológica” é dos maiores desafios de um atleta.
Já no Rio de Janeiro, estava a procurar treinar à hora da competição, que seria de noite. A humidade do chão tramou-me. Estava a fazer musculação quando escorreguei e a barra de 60kg que tentava levantar me caiu directamente no tornozelo. Quando me levantei, não tinha dores. Estava assustada, mas acreditava que era apenas uma entorse. Todos os outros "relógios" desapareceram logo. O diagnóstico foi fatal como o destino. Fractura total do perónio direito. Caiu-me tudo. Os meus colegas nem acreditavam. Tanto azar. Porquê a mim?
Foram tempos difíceis. Regressei para Portugal sozinha, com a certeza de uma coisa. A partir dali, teria de ser sempre a subir. Houve muitas mudanças. Mudei de treinador e passei a fazer estágios todos os meses na ilha Terceira, porque é lá que vive o meu mestre. Encontro na ilha o meu refúgio. Consigo respirar melhor, acalmar da rotina do continente e treinar com qualidade. Há males que vêm por bem. Sou grata. Se todos os dias sofremos, é porque acreditamos na possibilidade de um dia muito bom. E acredito que o meu vai chegar."
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