"Depois de ter trazido Béla Guttmann do Porto, o Benfica fez os portistas mergulharem numa crise tão, tão grande, tanto desportiva como financeira, que um dirigente do FC Porto chegou a pedir para que os encarnados entregassem a receita de um clássico na Luz aos cofres azuis-e-brancos.
A forma como o Benfica conseguiu convencer Béla Guttmann a abandonar as Antas e a ir para a Luz marcou uma viragem absoluta no futebol português.
Guttmann era um treinador avançado para o seu tempo. Não apenas nos aspectos tácticos mas, igualmente, na forma de preparar fisicamente os seus jogadores. Campeão com o FC Porto na época de 1958-59, ao sair deixou evidente que a estrutura portista não passava de um tigre de papel. O clube desfez-se. De tal ordem, que só em 1976-77 voltou a conquista o título.
Sabe-se o que aconteceu no Benfica com Guttmann. Apanhou uma equipa de enorme qualidade e, num instante, fez dela campeã da Europa.
Pode dizer-se que os encarnados passaram a ser um clube rico. Pagos a peso de outro nas suas digressões internacionais. E com a chegada de Eusébio, então...
Nas Antas, de uma época para a outra, sete mil sócios abandonaram a sua condição de associados. Um rombo tremendo!
O presidente, Luís Ferreira Alves, demitiu-se: 'O FC Porto é ingrato para quem o serve!'
Uma frase que mereceria muitas e muitas linhas em seu redor. Não fora tão curta a memória de determinados homens que podem viver cem anos, mas não percebem que eles são feitos de dias diminuídos.
O pedido e o desmentido
Na véspera do FC Porto - Benfica da época seguinte (a águia reconquistava o campeonato, e os portistas ficariam em quarto a 15 pontos do primeiro), todas as questões económicas que envolviam o clube das Antas viviam espalhadas pelas páginas dos jornais. Os jogadores queixavam-se de um total de 500 contos de dividas. Rebelavam-se constantemente contra a forma como eram obrigados a jogar sem receberem ordenado. O passivo atingiu a soma astronómica de mais de 5800 contos. Foi criada uma comissão administrativa para fazer frente à crise. Ângelo César comandava o gabinete.
Aníbal Abreu era outro dos membros da comissão. Escreveu ao presidente do Benfica, Maurício Vieira de Brito. Quase suplicava. Tendo em conta o bom momento das finanças encarnadas, o FC Porto pedia encarecidamente aos rivais que cedessem a totalidade da receita aos cofres depauperados das Antas.
Um choque!
Um escândalo!
De mão estendida, os portistas queriam entrar na Luz.
Reconheça-se que o gesto de bondade do Benfica, a ter acontecido, seria algo de único na convivência nem sempre bonita dos grandes clubes portugueses.
Parece, até, que Vieira de Brito estava disposto a aceder à pretensão de Aníbal Abreu.
Não se esqueçam de que, apesar da zanga provocada pela vinda de Guttmann para Lisboa e dos casos Calabote e Guiomar que tinham estado nas bocas do mundo na última jornada do campeonato anterior - minutos a mais dados do Benfica - CUF para permitir aos encarnados atingirem a diferença de golos que lhes desse o título, queixaram-se os portistas; vitória do FC Porto em Torres Vedras com golos nos últimos minutos e o Torreense reduzido a nove elementos, não deixavam esquecer os benfiquistas - as relações entre as duas direcções não estava extremadas.
Dois dias antes do jogo, tudo parecia encaminhar-se para o entendimento.
O Benfica ajudaria o FC Porto a sobreviver num dos momentos mais difíceis da sua existência.
Mas Ângelo César teve uma atitude de orgulho. Era um homem de muitas influências e mexeu os seus cordelinhos com mestria. A verdade é que, 24 horas vieram revelar que as suas dívidas tinham sido saldadas. E o presidente da comissão administrativa portista ergueu a sua voz: 'Esta telegrama enviado pelo sr. Aníbal Abreu é uma ofensa para todos os adeptos do FC Porto. É verdade que atravessamos uma situação financeira francamente delicada, mas não chegámos ao ponto de andar a pedir esmolas. Acredito que os dirigentes do Benfica também tenham achado que isto é um disparate sem pés nem cabeça. Uma loucura completa!'
O Benfica venceu por 2-1. O episódio caiu nas brumas do olvido. Os anos que se seguiram foram sendo terríveis para os portistas, sem dinheiro e sem glória. O Benfica atingiu o topo da Europa e do mundo. Em Portugal, dominou como nunca na sua longa história..."
Afonso de Melo, in O Benfica
Apesar de ter sido uma década de glória, até europeia, terá mesmo sido a de maior domínio interno??
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