"As claques forum um 'mostro' criado pelos clubes quando achavam que delas precisavam, vá lá saber-se porquê
«Quem é o Fernando Madureira para se comportar como o dono não oficial do FC Porto?» Talvez a pergunta colocada nas páginas de A Bola por Miguel Sousa Tavares poucos dias depois do destemperado comportamento do líder dos SuperDragões no final do encontro com o Rio Ave fosse, apenas, retórica. Mas o que se passou após o final da partida com o Aves, em pleno Estádio do Dragão - de onde a equipa de futebol saiu com uma goleada que mantém as esperanças no título e a claque oficial do FC Porto com uma vitória inequívoca no braço de ferro com técnicos e jogadores, forçados a voltar ao relvado 15 minutos depois de o terem abandonado sem lhes passarem cartão para acalmarem a contestação - deve, porventura, motivar uma reflexão mais profunda. Não sobre o caso de Fernando Madureira e dos SuperDragões em concreto - esse é um problema que a Direcção do FC Porto terá de resolver, se entender que há, de facto, alguma coisa para resolver -, mas sobre a importância que as claques de uma forma geral (em especial a dos princípios clubes) ganharam nos últimos anos em Portugal.
Discutir se as claques devem ser legalizadas ou não é, percebe-se, redutor. O problema é mais profundo e mostra como em Portugal teimamos em andar em contramão com o que de melhor se faz lá fora, onde os grupos organizados de adeptos (oficiais ou não) vão, por força de um futebol cada vez mais virado para o espectáculo, perdendo protagonismo. Por cá, pelo contrário, parece que vão ganhando força, amparados por apoios, legais ou encapotados, que lhes permitem crescer. Primeiro em número, depois, e por consequência, em poder. Sejamos claros: as claques foram um monstro criado pelo clubes por acharem que delas precisavam, vá lá saber-se porquê: por uma questão de apoio ou como simples factor de pressão, delas se servindo para defenderem os seus interesses, uns bem claros outros nem por isso.
O problema é que, à medida que vão crescendo à custa dos incríveis benefícios que lhes são concedidos pelos clubes, vão também ganhando influência, em especial junto dos adeptos mais jovens e mais susceptíveis, que se transformam em soldado de uma espécie de exército que, quando chega a hora de escolher, seguem cegamente os seus líderes sem questionar se estão, de facto, a servir os interesses do clube que defendem. É, portanto, fácil que as Direcções, cientes da influência que as claques podem ter, até, na hora das eleições, acabem por ficar nas suas mãos, cedendo à maioria dos seus caprichos e fazendo-os até pensar que são, mesmo, os donos dos clubes. E é aí que as coisas ficam, de facto, perigosas, como ficou evidente há um ano, no triste episódio do ataque à Academia de Alcochete.
Frederico Varandas, talvez por ter vivido esse momento negro bem de perto, foi o primeiro a perceber que as claques não podem, nunca, ter carta branca para fazerem o que bem lhes apetece. Esperemos que não seja necessário novo episódio semelhante para que se deixe de assobiar para o lado sobre um fenómeno que a todos devia preocupar e outros o perceberem também. Nos clubes e, até, acima deles.
(...)"
Ricardo Quaresma, in A Bola
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