"Notícia recentemente vinda a lume e intitulada “Ministro da Educação quer erradicar violência no Desporto” (www.sábado.pt, 17.04.2019) dá-nos conta do lançamento da campanha "Violência Zero", afirmando-se que o governo está apostado em acabar com os casos de violência, racismo e xenofobia nos recintos desportivos. Só faltou acrescentar-se aqui os casos de «corrupção» e de «dopagem», já que se continuam a omitir os casos de violência sexual (sim, porque existem no desporto!), os casos de fraude nos resultados desportivos, de morte súbita em plena prática, de morbilidade, de exploração infantil, de mortes inexplicadas, de suicídios no desporto…
Assegura o Ministro da Educação, que tutela o desporto, ser esta a “janela de oportunidade ideal para actuar com uma campanha vasta de sensibilização", frisando que "sempre que exista um caso de violência no desporto, será um caso a mais". Mais uma campanha de sensibilização – e por que não incluir nos currículos escolares, já que neles se despejam tantos conteúdos, o combate à violência no desporto ou à violência associada ao desporto?
O Decreto Regulamentar n.º 10/2018, de 3 de Outubro, cria a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, que tem como missão assegurar a prevenção e fiscalização do cumprimento do regime jurídico do combate aos contra-valores acima enunciados, acrescentando-se “a intolerância nos espectáculos desportivos” de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, prevista na Lei n.º39/2009, de 30 de Julho (repare-se, nove anos depois!). A primeira questão que se coloca é: o que fez esta “Autoridade” até ao momento? Atente-se que no seminário “Estados de Sítio” (Março do corrente ano), Magina da Silva, superintendente-chefe da PSP, mostrou a inação dos vários agentes desportivos até porque dos 15 adeptos proibidos de entrarem em estádios de futebol nenhum foi proibido por ordem do IPDJ (CM, 01.04.2019, p. 36)… A segunda questão que se coloca é: a preocupação será erradicar a violência no futebol, a violência associada ao desporto (e não a “violência no desporto”), ou a preocupação será a realização da final da Liga das Nações em Portugal entre os dias 5 e 9 de Junho de 2019, no Porto e em Guimarães?
Mas regressemos ao cerne do tema! Será possível erradicar a violência do desporto e erradicar a violência associada ao desporto? Já aqui demos uma primeira resposta a esta interrogação no artigo 7, com o título “Da violência”…
No que se refere à primeira parte desta pergunta, a origem guerreira do desporto, o carácter simbólico da morte em cada competição, e a agonística inerente ao próprio desporto levam a que os praticantes por vezes utilizem uma violência instrumental para atingirem os seus objectivos enquanto outras vezes, com o calor da refrega, utilizem uma violência reactiva. O alcançar a vitória na competição faz com que a violência instrumental faça parte da natureza humana. Até porque “a ganância é inerente ao homem” (1). A utilização da violência como reacção, uma resposta emocional a uma provocação, encontra-se inscrita no código genético da humanidade. Como afirma Zillmann (2), “não encontramos em nenhuma outra espécie uma concepção inteiramente racional de estratégias de agressividade eficaz, nem uma justificação moral da agressividade. Estas motivações distinguem-nos, pois, dos outros animais.” E se, por um lado, a selecção natural da espécie humana favoreceu a nível de grupo especialmente o altruísmo e a cooperação, por outro lado a raiva, o ciúme e a vingança são emoções que “fazem parte dos programas instintivos já estabelecidos no hipotálamo e noutros centros de controlo emocional dos nossos antepassados há dezenas de milhões de anos”, na opinião do criador da sociobiologia, Edward O. Wilson (3).
Portanto, parece-nos ser possível controlar-se (diminuir-se) tanto a violência instrumental como a violência reactiva na prática desportiva, erradicar as mesmas não!
Em relação à segunda parte da mesma pergunta, quanto à violência associada ao desporto, ela tanto pode ser diagnosticada em relação aos intervenientes directos no espectáculo (jogadores, árbitros, treinadores, dirigentes) como em relação aos espectadores – meros adeptos ou claques – ou ainda em relação às forças de intervenção. E segundo Sapolsky (4) “nós não odiamos a violência. Odiamos e tememos o tipo errado de violência, aquela que ocorre no contexto errado. Porque a violência no contexto certo é diferente.” Porque o contexto depende do grupo em que o indivíduo se encontra inserido (simples adeptos, claque, stewards, grupo das forças da ordem) – e o indivíduo age e reage sempre de uma maneira diferente quando inserido num grupo como nos mostra a psicologia de massas –, depende do espaço (o campo de jogo, as bancadas, a “gaiola”, o espaço envolvente ao estádio) e depende também do tipo de evento (um mero jogo, um derby ou uma final). Resta saber quem define o contexto… Nós ou os outros? E quando os outros somos nós?
Ainda em relação à violência associada ao desporto, temos os exemplos da Inglaterra e da Alemanha em que a redução de episódios violentos foi conquistada não só com a aplicação de leis eficazes como com a colaboração entre as autoridades e organizações de adeptos. No caso inglês com a Football Supporters Federation e no caso alemão com a Unsere Kurve. E se na Suécia a Svenska Fotbollssupporterunionen (federação de adeptos) está ao mesmo nível das autoridades – tanto governativas como futebolísticas – nas discussões sobre os rumos a tomarem-se em relação ao futebol, em Portugal a Associação Portuguesa de Defesa do Adepto para nada é tida ou achada. Somos lestos a copiar muito do que de bom se faz lá fora… mas só em relação a alguns exemplos.
Se atentarmos no que nos diz Vargas Llosa (5), veremos que “nos nossos dias, os grandes jogos de futebol servem acima de tudo, como os circos romanos, de pretexto e libertação do irracional, de regressão do indivíduo a sua condição de parte da tribo, de peça gregária na qual, amparado no anonimato da sua tribuna, o espectador dá rédea solta aos seus instintos agressivos de rejeição do outro, de conquista e aniquilação simbólicas (e às vezes até real) do adversário.” Nada mais do que «panem et circenses»… Mas há outras varáveis que aqui poderemos – e teremos de – contemplar: a «publicidade», os «mass media» e o próprio «espectáculo».
Panaceia, neta de Apolo, a deusa capaz de curar todos os males e todas as enfermidades, não seria por acaso filha de Asclépio, o qual se tornara deus da medicina. Também não será por acaso que o anúncio de uma campanha de sensibilização que pretende “erradicar a violência do desporto” não passe de mais uma panaceia quando se faz da publicidade a estratégia-mor das políticas públicas…
(continua)"
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