"Gosto muito de futebol.
Não gosto nem mais nem menos do que os outros. À minha escala, gosto muito de futebol.
Nasci em Lisboa, sou português. Cresci a jogar e a marcar uns golos de quando em vez, mas diverti-me sobretudo a tentar ver o que mais ninguém via, e a meter aí a bola. Por vezes restos mortais de uma bola. Nos restos mortais de um pelado.
Tornei-me jornalista. Deixei de jogar quase sempre para não jogar quase nunca, mas passem-ma e ficarei feliz. Comecei a vê-la mais nos pés dos outros, e a felicidade também assumiu outros tons. Bons tons, porque ainda a tratavam melhor do que eu, e não tenho a inveja como pecado mortal pelo qual deva pagar.
Gosto de ter uma cerveja fresca por perto. Pires de tremoços e amigos, nos intervalos das pirâmides de cascas amontoadas, com quem falar. Não há melhor maneira de ver um jogo sem ter de vê-lo. Sem conceitos e preconceitos, apenas pelo gozo da finta, do cruzamento de letra ou do golo de trivela.
Ver Messi e esquecer todos os outros, tal como Maradona fazia de cada jogada um campo só para si. Ainda tento abstrair-me dos triângulos, das entrelinhas e dos erros de compensação. Consigo limpar a cabeça durante cinco minutos. Pelo menos, tento.
Quem gosta de futebol não terá muito prazer a ver Portugal.
Quem analisa o jogo sabe que, apesar de qualquer equipa, incluindo a Selecção, ser eterno projecto inacabado, há momentos em que está mais ou menos completa, mais ou menos trabalhada. Mais ou menos forte.
Hoje, sou a criança que Christian Andersen colocou no meio da parada a gritar
O rei vai nu!
Há uma pergunta que aparece sempre. Mudam-se os protagonistas, mas é sempre válida para o adepto
Como é que alguém que foi campeão é agora mau?
O mundo muda à nossa volta, e com este o contexto. Primeiro, não desdenhemos a sorte, que não dura para sempre. Agradeçamos aos deuses. Só uma data de circunstâncias específicas, a que muitos chamam felicidade, garantiram uma conjuntura favorável para que hoje haja um título a defender. Atenção que ainda faltava a França, em França, no estádio nacional francês e com bandeirinhas ao vento e ao sabor do pior cântico do mundo
Allez les Bleus, allez les Bleus, allez les Bleus
Além de que a gestão do grupo, a conservação do moral e dedicação completa também têm valor, ainda mais pelas derrotas passadas e pelo também vingar do tratamento dado muitas vezes aos emigrantes.
Hoje, apenas, já não é suficiente.
Dificilmente o raio cai duas vezes no mesmo sítio. E, quando cair, porque o destino é algo que é tão caro para o português, não cairá para nós.
Quando um resultadista não ganha fica sem nada. É o ateu na hora da morte.
Literalmente na hora da sua morte. Não é o país que está pela hora da morte, embora esteja. Bem, adiante.
Fernando Santos, católico fervoroso, quando não ganha também fica com muito pouco.
Haverá quem conteste o conceito de jogar bem, e até pode ter razão. Não é algo objectivo, muda de pronome para pronome. Haverá ainda quem aponte a verticalidade como um caminho tão válido quanto outros para chegar ao triunfo. O que também não é mentira, embora até aí pareçam faltar jogadores que o tornem menos espinhoso. Ou mais espinhoso para quem defende.
Já não dá para naturalizar o Marega…
Até para o resultadismo Portugal parecer estar em carência.
Uma equipa sólida não precisa dominar todos os estilos e ideias, embora se o conseguisse passasse a estar bem mais perto do sucesso. A Selecção não domina o seu, e isso é dizer quase tudo.
Dói tanto pontapé para o ar e bolas a acabar no quintal, um verdadeiro desperdício. Dizia Riquelme, se calhar até repetindo o que ouviu dizer e que lhe pareceu fazer sentido
Trata bem a bola e ela retribuirá!
Confesso-me ateu perante o deus de Fernando Santos. A bola é a minha religião."
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