"Não sei se o leitor já reparou, mas Portugal é um país complicado.
Não se percebe exactamente se é estupidez ou incompetência, mas a verdade é que os portugueses envolvem Portugal numa teia de grande complexidade. Tudo é difícil e extremamente melindroso.
Pergunta-se a um amigo se amanhã pode ir tomar café e a resposta vem com reticências.
«É complicado...»
Questiona-se o mecânico se dá para corrigir aquele barulho do carro e ele coça a cabeça.
«É complicado...»
Atira-se para o ar se aquele 0-0 no jogo da Juventus é justo e a resposta é invariavelmente a mesma.
«Está complicado...»
Na verdade não é nem está, é até verdadeiramente simples: ou pode ir tomar café ou não pode, ou pode corrigir o barulho ou não pode, ou é justo ou não é. Sim ou não. Dá para ser mais simples?
O problema é que Portugal é um país nórdico virado ao contrário. No norte da Europa esforçam-se por simplificar as coisas, nós gostamos de complicar até o que é fácil.
Porquê? É difícil perceber, mas há uma coisa que é irrefutável: a partir do momento em que ouvimos dizer que é complicado, ficamos com a impressão que se ergueu uma montanha para escalar. Isso sim, é de facto complicado. Portanto ao ouvir dizer que «é complicado» o nosso cérebro assume que não vale a pena tentar saber. O melhor é desistir.
Ora vem esta conversa a propósito do público da Selecção Nacional.
Os jogos da selecção enchem-se de gente singular, que provavelmente não frequenta o estádio para ver nenhum outro jogo: trata-se de gente que vai à bola pela festa, independentemente do futebol.
Provavelmente por isso é que se ouve um bruááááá de cada vez que Ronaldo recebe a bola a meio campo e provavelmente por isso também é que aos sete minutos já se está a fazer a ola mexicana.
Ainda não houve nenhum remate? Não faz mal (lá se levantam eles para fazer outra vez a ola). Afinal de contas o tempo gasto naqueles noventa minutos é demasiado precioso para ser condicionado pelo que acontece no relvado. O jogo é enfim secundário, importante é a celebração.
No fundo, a Selecção Nacional tem uma capacidade rara de atrair exactamente aquela franja de pessoas que diz não entender como um adepto do FC Porto pode torcer pela derrota do Benfica na Liga dos Campeões: consegue atrair aquelas pessoas para quem a rivalidade não é importante.
Ora a rivalidade, quando consumida em proporções saudáveis, é das coisas mais belas que existe: ela, sim, é o motor que alimenta esta coisa do futebol.
Viver o futebol é viver a rivalidade: muito dificilmente se vive um sem o outro.
O que nos atira para uma conclusão óbvia: o público da Selecção Nacional não vive verdadeiramente o futebol. Vive a festa do futebol, como vive a festa do Festival da Canção ou a festa dos Jogos sem Fronteiras. A paixão deles não é desportiva: é patriótica.
O que levanta uma dúvida: são estes adeptos da Selecção menos do que os outros?
É complicado..."
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