"O contexto desportivo, espelho privilegiado do comportamento humano na sociedade em geral, permite observar, em interação (nem sempre harmoniosa), “actores” de diferentes gerações e, por isso mesmo, diferentes “quadros de referência” (entenda-se, formas de olhar e entender o mundo e a si próprios).
Dirigentes, treinadores, encarregados de educação e atletas nem sempre tem, por esta mesma razão, o mesmo entendimento sobre os processos e o resultado que deverá advir dos mesmos.
Sabemos já (inúmeros artigos científicos e de opinião assim o têm referenciado) que, apesar das gerações mais novas trazerem elevadas competências cognitivas e tecnológicas (quase como se fosse o seu ADN) pecam, no entanto, naquela que poderíamos considerar a sua inteligência emocional – evidenciam, por isso, grande dificuldade em fazer o reconhecimento das emoções que possam estar a sentir (confundindo muito frequentemente activação com felicidade), em gerir a frustração (ou se gerirem em contexto de frustração), em manterem o esforço face a “resultados” adversos (ou que significam como tal) ou, em gerir a sua impulsividade escolhendo, muito frequentemente, “virar costas” aos contextos onde possam experenciar emoções “negativas” (por outras palavras, vivenviadas com desconforto e desagrado).
Neste enquadramento, cabe muitas vezes ao Treinador o papel (ou função) de ser o “regulador externo” do conteúdo emocional que os atletas vivenciam.
Transfer Desporto - Vida
A prática de uma modalidade desportiva (ou de um instrumento musical, por exemplo) assume-se como, possivelmente, um dos cenários mais importantes onde um(a) jovem pode, desde cedo, aprender a desenvolver um conjunto de competências perfeitamente essenciais à Vida – Esforço, Persistência, Superação e Confiança.
Competências estas que não são, até à data, alvo de qualquer programa curricular em contexto académico, pelo que, o Desporto pode (e deve) assumir-se como um importante “veiculo” para o treino das mesmas.
Há, no entanto, que manter bem presente que (tal como na aprendizagem de um instrumento musical), o(a) jovem passará por muitos momentos de frustração nos quais deverá permanecer, mantendo (às vezes elevando) o esforço produzido, até à superação dos mesmos – apenas aqui surgirá competência, capacidade e conhecimento (do seu próprio funcionamento e da modalidade/contexto em questão).
Gerir pessoas quando tudo corre bem já não é propriamente um desafio fácil, geri-las em contexto de frustração e adversidade pode revelar-se quase uma barreira intransponível (quase... porque muitos treinadores já evidenciaram por inúmeras vezes que assim não tem que ser).
A isto poderíamos chamar, em boa verdade, aquisição de Competências de Vida (quem não esfolou joelhos a aprender andar de bicicleta ou skate?) ou, as necessárias “dores de crescimento” que temos que vivenciar para poder aceder ao “next level” deste “jogo” denominado “Vida”.
Um Duplo Compromisso
Do treinador, do professor, do encarregado de educação ou de qualquer outro tipo de “educador”... As pessoas que chamam a si a tarefa de “treino” (ou a missão de elevar um dado tipo de competências de outra pessoa para um patamar mais elevado) acabam por necessitar de competências técnicas específicas (em função da sua própria área de especialização) mas, de igual forma, e porque o “objecto” é outro ser humano, de um conjunto de competências emocionais.
Ao treinador (porque é sobre ele que esta reflexão decorre) cabe desenvolver não só as suas próprias competências de gestão emocional (ou “auto-gestão” porque dirão respeito ao seu próprio comportamento) mas também as competências emocionais dos seus atletas, no sentido de favorecer a optimização do seu desempenho, em contexto de sucesso ou insucesso.
Confuso? Nem tanto – na realidade, deverá assumir a responsabilidade da evolução do seu repertório de competências emocional, no que respeita ao seu próprio comportamento e ao comportamento dos seus atletas.
Espera-se, do treinador (esperam dirigentes, encarregados de educação e outros agentes que possam circular no “cenário” desportivo), que seja capaz de prover apoio incondicional (de preferência, a todos os atletas e de igual forma...), de gerar vínculo e compromisso emocional, de incentivar e evidenciar o caminho de superação, de persistência face à adversidade e de manutenção do esforço e dedicação a longo-termo para que uma carreira desportiva se possa vir a vislumbrar...
Como?
Pois, aqui é que reside a questão – uma questão que permanece sem soluções a curto prazo, até porque, a própria formação prevista para a carreira de treinador (prevista num conjunto de níveis que devem percorrer) contempla um número irrisório de horas naquela que é, possivelmente, uma das áreas mais importantes – o funcionamento psico-emocional em contexto de performance (logo, do treinador e do atleta).
Formação Precisa-se
As gerações mais recentes, porque mais inaptas em termos de competências emocionais, colocam um desafio mais elevado a qualquer tipo de educador.
Mas esse desafio não se coloca sobre a aquisição das competências técnicas (do português, da matemática, do remate em suspensão no andebol, da corrida para o salto de cavalo na ginástica artística, entre tantas outras...) mas antes sobre a aquisição das competências emocionais que são necessárias para que a “pratica” (entenda-se, treino) se torne mais eficiente, desafiada e, já agora, lúdica.
Aos “educadores”, cabe esse enormíssimo desafio de normalizar a adversidade, de a traduzir com naturalidade e, em boa verdade, com alguma desejabilidade, na medida em que, sem ela, não haverá evolução ou progressão.
Aos “educadores”, cabe a necessidade de elevar os seus próprios recursos emocionais para que possam, com maior facilidade, mais direcção e sistematicidade, elevar os recursos dos seus “educandos”.
Mas não basta – precisa, acima de tudo, haver valorização institucional e reconhecimento organizacional no contexto, para que possam existir ao seu dispor os meios, as condições e as ferramentas necessárias para que possam, de facto, escolher fazer este mesmo caminho imprescindível e inadiável de “upgrade” contínuo."
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