"O meu filho tem 32 anos e viu o Sporting ser duas vezes campeão. A primeira quando tinha treze anos e a segunda quando tinha quinze. Depois, durante a crise, emigrou mas nunca deixou de sofrer pelo clube que é da família há seis gerações. Há dias, depois da eliminação do Sporting na Liga Europa, fez-me a pergunta que a nação verde e branca devia colocar todos os dias: quando é que o Sporting volta a ser campeão? Não sei, meu filho, sinceramente não sei. Mas sei qual é o caminho que temos de percorrer para lá chegar.
Primeiro ponto: depois do consulado de Bruno de Carvalho, em que o Sporting podia e merecia ter sido campeão no primeiro ano de Jorge Jesus como treinador (se houvesse VAR tínhamos ganho), a distância para os rivais foi aumentando e a factura do descalabro financeiro haveria de chegar. Chegou agora com a humilhação do Guimarães a pedir a insolvência da SAD por o clube de Alvalade ainda dever cerca de 4 milhões dos 6 que custou Raphinha.
Estou tranquilo quanto a isso. Francisco Salgado Zenha é um excelente gestor e nessa matéria o clube está em muito boas mãos. Vamos conseguir sair desta curva apertada da história do Sporting. Mas para isso vai ser necessário definir um rumo claro e não titubear perante as inevitáveis adversidades que ocorrerão no caminho.
Há algo, contudo, que a nação sportinguista não pode ignorar: estamos hoje muito atrás em termos de poderio económico e financeiro do Futebol Clube do Porto e do Sport Lisboa e Benfica. E esse fosso não pára de se agravar. Até agora, o FC Porto amealhou 78,45 milhões de euros na Champions, o Benfica 50,35 milhões na Champions e na Liga Europa – e o Sporting uns meros 6,39 milhões. Ou seja, para a próxima época os nossos rivais têm muito mais dinheiro do que nós para se reforçar e isso é algo que vem acontecendo já há vários anos.
O que daqui decorre, por muito que doa a todos os sportinguistas, é que nós neste momento não temos condições para nos bater com Porto e Benfica em provas de regularidade, que exigem um plantel razoavelmente equilibrado e relativamente extenso (24 a 26 jogadores), porque de outro modo não é possível estarmos dignamente em quatro frentes (Campeonato, Taça da Liga, Taça de Portugal e competições europeias).
Nós nem sequer temos 11 bons jogadores, quanto mais 26.
Segundo ponto: face a esta situação, toda a nação sportinguista tem de assumir que não seremos campeões nos próximos quatro, cinco anos. Não é popular dizê-lo mas é a realidade, Vamos ter de começar a reconstruir a casa com muita paciência. E se fizermos isso acabaremos por ser campeões. Para tal, do presidente ao roupeiro há que assumir algumas coisas. E a primeira é que o nosso grande objectivo nas próximas quatro, cinco épocas é, pelo menos, ficar em segundo. E a segunda é que precisamos ir o mais longe possível nas competições europeias para arrecadar dinheiro, prestígio e mostrar os nossos jogadores, podendo daí resultar futuras vendas que serão importantes para o clube sair do sufoco financeiro em que se encontra. Quanto à Taça de Portugal e à Taça da Liga são para ser jogadas pelos jogadores que não fazem parte do onze base. Não temos plantel para estar em todas as frentes. Temos de deixar cair algumas e concentrar-nos nas que são verdadeiramente decisivas para o futuro do clube.
Terceiro ponto: de uma vez por todas, tem de ser dito a qualquer treinador que venha para o Sporting que vai ter de contar essencialmente com os jogadores da formação, para além de cinco/seis jogadores muito bons e já com larga experiência, nacionais ou internacionais. Mas a base será a formação. O Miguel Luís não faz o mesmo que o Gudejl? O Jovane é pior que o Diaby? Não temos nenhum defesa central, defesa esquerdo ou defesa direito na formação? Ninguém para o meio-campo? Ninguém para o ataque? Temos, de certeza que temos. O que temos é de obrigar o actual treinador e os futuros a utilizarem esses jogadores, a fazerem-los crescer, a dar-lhes experiência. É ver o que aconteceu no Benfica com a chegada de Bruno Lage. João Félix já andava por lá mas Rui Vitória nunca apostou nele a 100%. Ferro então nunca pôs os pés em campo com Vitória. E quando não se aposta, os jogadores não crescem, não ganham confiança, não se afirmam e acabam por se perder.
No Sporting, Jovane estava a tornar-se um talismã, marcando golos decisivos sempre que entrava. Miguel Luís estava a afirmar-se como um excelente médio e até já marcava. O que aconteceu? Foram relegados para a bancada, nem sequer para o banco, e substituídos pelos Gudelj desse mundo. O Gudelj é mau? Não, não é. Mas faz a diferença? Não, não faz. E está a tirar a possibilidade de um jogador da casa, que sente a camisola, poder afirmar-se e tornar-se um símbolo do clube. O Diaby é mau? Não, não é. Faz a diferença? Não, não faz.
Verdadeiramente, nesta equipa só há um jogador que faz toda a diferença: Bruno Fernandes. Concedamos que depois Coates, Mathieu, Renan e Raphinha estão num patamar elevado. Acuña é bom mas muito conflituoso. Bas Dost também é bom mas não é por acaso que não joga na selecção holandesa: é um avançado à antiga, que não pressiona, não é o nosso primeiro defesa, fica muito estático, e precisa de excelentes alas que lhe coloquem a bola direitinha na cabeça.
Como não os temos, ele cada vez marca menos. Wendel é um meia que não marca golos. E por aí fora. Ora se é para termos jogadores que não fazem a diferença, então assumamos isso mesmo e joguemos com os que estão na Academia, mantendo Bruno Fernandes como referencial e exemplo (e Coates e Raphinha: os outros não mudam o curso da história).
Quarto ponto: mais que um treinador, o Sporting precisa de um psicólogo. Um clube como o Sporting tem de ter killer instinct. Quando é preciso ganhar, tem de se ganhar, mesmo que se jogue feio e mal. O que não pode acontecer é ser derrotado pelo Portimonense e pelo Tondela, empatar com o Setúbal e Marítimo e por aí fora. Isto não é de um clube grande. É de um clube do meio da tabela. Verdadeiramente, só é admissível que o Sporting perca pontos com o Porto e Benfica – e já é altamente discutível que isso aconteça com o Braga e Guimarães (e convém lembrar que fomos derrotados nos jogos em casa deles por 1-0). Para conseguir estes resultados, insisto, basta jogar com cinco ou seis estrangeiros, sendo o resto miúdos da formação. E não será muito diferente do que aconteceu, com a possibilidade de descobrirmos alguma pérola entre esses jovens.
Quinto e último ponto: se não temos dinheiro para ir buscar jogadores de craveira internacional, temos pelo menos dinheiro para contratar mais algum Slimani. Para isso, contrate-se como olheiro quem conhece o futebol africano e pode ser que tenhamos gratas surpresas. O futuro do futebol está em África. Não há razão para alguns dos grandes jogadores do futuro não virem jogar a curto prazo no Sporting.
Se seguirmos este trajecto, meu filho, não seremos campeões a curto prazo, mas seremos seguramente campeões mais ano menos ano. E até 2025 teremos ganho pelo menos um campeonato."
Aquele parêntesis sobre o VAR levava pelo menos umas valentes reticências.
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