"Janeiro é mês de Eusébio.Nasceu e morreu em Janeiro. Talvez por isso seja a altura ideal para recordar Eusébio. Trazê-lo de novo ao dia a dia. E, desta vez, a todas as promessas que faziam sobre ele ainda antes de se ter estreado na Metrópole.
Para mim, Janeiro é mês de Eusébio. Em Janeiro nasceu; em Janeiro morreu. Para mim, Eusébio é único: ninguém nunca como Eusébio!
Por isso, pacientes leitores da minha iníqua prosa, deixem-me falar sobre Eusébio. E de Janeiro.
Em Eusébio, mergulhado em tristeza, chegado à Metrópole sem poder jogar, preso nos labirintos da burocracia dessa guerra entre Benfica e Sporting: 'Sofri muito. Confiei demais. Chegaram a telefonar para a minha mãe em meu nome, identificado-se como sendo eu. Não jogava e não podia andar à vontade por causa dos encontros inoportunos. O Benfica fazia-me rodear de uma certa vigilância, e tudo isso me enervava. Eu só queria jogar à bola. Para quê tanta coisa? Tantos impedimentos? Todos os que me conhecem sabem: Eusébio sem futebol não é mais Eusébio'.
Em Lisboa, a dúvida: mas quem é Eusébio, afinal? Que joga ele? Valerá a pena tanto caso, tanta confusão, tanta espera? E o Benfica precisa tão desesperadamente de um jovem de 19 anos quando tem uma das melhores equipas da Europa? Perguntas que iam ficando sem resposta...
Rui Martins: correspondente do jornal A Bola em Lourenço Marques.
É ele o primeiro a traçar para a generalidade dos adeptos portugueses o perfil do jogador Eusébio da Silva Ferreira. No final do ano de 1960, publica uma série de reportagens sobre o 'Fenómeno da Mafalala'. E diz, para quem o queira ler: 'Não há dúvidas de que Eusébio é um caso de invulgar intuição futebolística. Neste menino, que fará 19 anos no próximo mês de Janeiro, facilmente se percebe que o futebol nasceu com ele... Estou a vê-lo na categoria de juniores do Sporting local. Já nessa altura ele enchia os olhos ao mais exigente apreciador de bom futebol, tão requintada a sua técnica e tão poderoso o seu remate (...) Uma das virtudes que desde o primeiro dia mais me impressionaram neste jovem que se evadiu de Lourenço Marques refere-se à sua personalidade em campo. É daqueles jogadores que, sobre a relva, se atenta desde logo. Sendo um menino - que o é, felizmente para ele - jamais patenteou o mais leve indício de acanhamento quando a jogar entre adultos. Inclusivamente, nem o facto de ser colored - o que a muitos acarreta complexos que não interessa focar - o inibiu alguma vez de mostrar o que é: um futuro futebolista de eleição! Outro exemplo: quer contra o Belenenses, quer contra o Ferroviária de Araraquara, em jogos recentes, jamais se deixou impressionar com a retumbância de alguns nomes dessas equipas'.
Água na boca...
Os adeptos do Benfica liam as crónicas de Rui Martins e ficavam com água na boca. Ah! Quem seria esse moço da Mafalala que vinha aí para encher os campos de golos e jogadas extraordinárias?
'Eusébio já tem lances pessoalíssimos, reveladores da sua personalidade. O mais flagrante (e espectacular) é aquele em que, com o adversário à sua frente, a barrar-lhe a progressão, pica a bola magistralmente por cima da cabeça do antagonista. Na capitulo do remate é primoroso. Qualquer dos pés tem dinamite, embora mais o direito do que o esquerdo. Aliás, a sua capacidade rematadora pode-se constatar através da média superior a dois golos por jogo que fez no campeonato de Lourenço Marques - chegou a marcar quatro e cinco por jogo - e no facto de ter conseguido mais golos para a sua equipa do que todos os seus companheiros juntos!'
Os relatos entusiásticos fazem crescer a lenda. Fenómeno passa a ser um nome comum sempre que Eusébio anda de boca em boca.
'É melhor do que Matateu!', exclama-se com a voz embargada pela admiração. E havia quem o confirmasse. Como Vasco Pegado: 'Sem a mais pequena sombra de dúvida. O Matateu só joga dentro da grande área. Eusébio é um jogador que está à vontade em qualquer parte do campo!'.
Melhor que Matateu! A frase parecia quase iconoclasta.
Matateu, Wilson, Coluna, agora Eusébio.
Moçambique parece transformada numa versão africana do Brasil. Questiona-se a razão por que muitos moçambicanos não triunfaram plenamente na Metrópole: Albasini, Naldo, Garrido, Vagumar... Procuram-se outros Eusébios. Todos os dias surgem, na imprensa, nomes desconhecidos que prometem assombrosas façanhas: Ângelo, médio-esquerdo do Ferroviário; Mabreta, extremo-direito do Ferroviário; Bessa, avançado do Sporting de Lourenço Marques; Melo, o 'novo Coluna' do Desportivo... O futebol foi-lhes perdendo o rasto.
Janeiro será sempre, para mim, mês de Eusébio.
De cada vez que Janeiro chega, venho aqui, a estas páginas que são vossas, e recordo o meu amigo Eusébio, o Eusébio-de-todos-nós.
Não sei se vocês, leitores, se importam. Mas não acredito que não queiram todos voltar a recordar a imensidão de um nome: Eusébio!"
Afonso de Melo, in O Benfica
Obrigado ao Afonso de Melo, grande cronista a relembrar a Rei
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