"As legendas e as crónicas é que deram colorido às fotografias antigas. O Benfica acabava de conquistar o título de campeão da época de 1956-57. Águas foi o melhor marcador da prova. O povo, esse, entrou de supetão pelo relvado da Luz...
Tenho nas mãos uma daquelas publicações extraordinárias dos anos 50, o Sport Ilustrado. Na foto grande que ocupa a primeira página, a legenda diz: 'Cristóvão: guarda-redes da Académica, esteve sempre em actividade... Ei-lo a parar um remate dos encarnados, embora com certa dificuldade'.
A foto é a branco e preto, como está bem de ver. Melhor para a Académica, não é? Afinal os estudantes é que equipam de preto. Lá no fundo da fotografia, José Águas espreita. A sua camisola vermelha surge a cinzento. Mas atenção, que há muito mais encarnado neste conjunto a preto e branco. A toda a roda da manchete, um friso de fotos mais pequenas, assim como se emoldurassem a maior. Estafeta Guincho-Algés! Era um clássico da época. Neste ano a que corresponde a revista que manuseio - e que o meu amigo Campos Trindade fez o favor de me fazer chegar, ele que contribui imensamente para o meu nunca mais acabar de jornais e livros históricos -, 1957, o Benfica tinha estado perfeito. Patrício, Augusto Silva, Hélio Duarte, José Araújo e António Ventura tinham cumprido as passagens de testemunhos sem falhas. Uma vitória saborosa sobre o Sporting.
Regressemos ao futebol e, neste caso, à contracapa da revista. José Águas, de tronco nu, é carregado em ombros por uma multidão a perder de vista. Percebe-se que caminham sobre o relvado porque uma das balizas surge completamente submersa por aquele mar de pessoas. Os chapéus de alguns guardas republicanos são visíveis. A legenda esclarece: 'O rei dos marcadores na apoteose da Luz'.
E vai por aí fora: 'Terminou o jogo... Terminou o campeonato... Terminou o sofrimento... Os adeptos do Benfica, quando soou o apito final, arrastados por um ímpeto irreprimível de entusiasmo e de vibração, saltaram dos seus lugares e invadiram o rectângulo da Luz para vitoriar os campeões nacionais de 1956-57! A explosão popular foi, na verdade, excepcional!... Bandeiras rubras que mãos nervosas agitavam frenesi, serpentinas que riscavam o ar com num autêntico. Carnaval e foguetes que estralejavam por toda a parte, numa apoteose por que todos os benfiquistas ansiavam. Águas - rei dos marcadores do Nacional - sofreu, como todos os seus companheiros de equipa, as atribulações da espantosa e delirante consagração de gente benfiquista. Já nem a sua camisola, que um coleccionador de recordações lhe arrancou, ao terminar a partida, o avançado-centro dos campeões é levado em ombros e sorri, feliz pelo título conquistado'.
Pelo tom da prosa percebe o colorido do cenário.
Mesmo que a branco e preto.
Uma rija Académica
Continuo a levar-vos na viagem por esta preciosidade jornalística, se vocês me dão licença.
A reportagem fotográfica é abundante.
Foto: Serra, também ele levado ao colo, feliz pelo seu primeiro título de campeão como jogador da primeira categoria.
Foto: primeiros adeptos a invadirem o rectângulo abraçam Serra e Alfredo.
Foto: Otto Glória está sentado no banco; não esconde o nervosismo e olha para o relógio.
A vitória sobre a Académica (2-0) foi fundamental: o Benfica terminou o campeonato com mais um ponto do que o FC Porto, que, nessa mesma tarde, despachara o Vitória de Setúbal por 4-1.
Os golos da Luz foram marcados por Pegado (54 minutos) e Salvador (58).
Como se percebe, foi preciso sofrer. A Académica não se rendeu. Lutou pela sua dignidade.
O Sport Ilustrado trazia um título sugestivo nas páginas interiores: 'Carnaval!': 'Em escassos segundos, a onda humana, entusiástica e febril, fez desaparecer, como por encanto, a verde relva do Estádio do Benfica... Um mar de gente, agitando bandeiras encarnadas e brancas, consagrou os campeões. Foi sem dúvida uma bela página - sincera e vibrante - plena de colorido o movimento, a que os adeptos do grande clube escreveram na sua linguagem simples mais eloquente, no último domingo do campeonato'.
Último doa de Março também.
O colorido das páginas e da tarde temos de ser nós a adivinhá-lo.
E a vê-lo com os olhos da alma.
Nas páginas da revista que folheio convosco, é quase tudo a branco e preto. Mas isso não esconde um fortíssimo tom de vermelho... Um vermelho-feliz."
Afonso de Melo, in O Benfica
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