"Uma das regras elementares do manual de sobrevivência da vida em sociedade é não acreditar em tudo o que se ouve. Eu, por exemplo, cresci com a impressão de que o 5 ao lado do 1154xxxx no B.I. implicava a existência de outros quatro Pedro Marta Candeias, o que motivou buscas inúteis nas páginas amarelas, e de que o futebol era o desporto do povo, o que me fez gostar dele.
Estava enganado em ambos os casos: o 5 era apenas um número de controlo, e o futebol não é um desporto, mas um negócio. Quer dizer, joga-se e é relativamente simples de entender e de o fazer, basta uma bola e dois putos para que aconteça, mas não é um desporto no sentido etimológico da coisa: duvido que dê saúde física e mental a quem o pratica a sério, e envolve demasiado dinheiro para um passatempo.
Daí, Liga dos Campeões.
É chegada àquela altura do ano em que se renovam esperanças, se fazem contas à vida (pelo menos, mais uma subscrição) e se preenchem as folhas Excel das apostas entre a malta: quem marca mais e menos, passa em primeiro e segundo ou cai na Liga Europa.
Lamento informar, mas esta é uma competição viciada protocolarmente pela UEFA.
Vejamos: em 2018-19, a Champions terá um bolo de mais de dois mil milhões de euros a ser fatiado assim: 15 milhões mais variáveis (ranking UEFA) por participar na fase de grupos, 2,7 milhões por cada vitória e 900 mil euros por empate; 9,5 milhões por presença nos oitavos de final, 10,5 milhões nos quartos de final, 12,5 nas meias-finais e 15 milhões na final; o vencedor receberá quatro milhões, mais 3,5 milhões por automaticamente garantir um lugar na Supertaça.
É até comovente achar que a distribuição é democrática, que os clubes têm todos as mesmas oportunidades de ganhar o seu e mais algum, mas não é verdade; o que isto faz é apenas cavar o buraco entre as Ligas ricas e pobres, e também entre os pobres e ricos dentro das ligas mais pobres. A UEFA deixa a regulação ao deus-dará: não impõe limites nas contratações, nos salários nem nos budgets, e o Fair Play financeiro é arrogantemente contornado por quem pode, ou melhor, por quem tem massa.
Em países como o nosso, em que a diferença de orçamentos dos clubes dominadores para os restantes é pornográfica, a entrada na Champions engorda o topo da cadeia – e como só dois podem lá andar, significa que o terceiro grande tenderá a penar mais. Além disso, a nossa Liga fica em Saturno e achar que FC Porto (num grupo com o Schalke, Galatasaray e Lokomotiv de Moscovo) e Benfica (Bayern, Ajax e AEK) podem competir para lá dos quartos de final é romântico, embora estatisticamente improvável.
Porque, inevitavelmente, chegará aquele momento em que os ricalhaços vão impôr os milhões e a influência para arrebanharem mais alguns milhões e ampliarem a sua influência: o último campeão europeu fora dos campeonatos multimilionários foi o abastado Inter de Milão, em 2010, e o último campeão europeu dos pobres foi o FC Porto, em 2004; em ambos os casos, com José Mourinho.
Esta é a lista dos semifinalistas da última década:
2018 - Real Madrid, Bayern, Liverpool e Roma
2017 - Real Madrid, Juventus, Atlético Madrid e Mónaco
2016 - Real Madrid, Bayern, Atlético Madrid e Manchester City
2015 - Barcelona, Real Madrid, Bayern e Juventus
2014 - Real Madrid, Bayern, Chelsea e Atlético Madrid
2013 - Bayern, Real Madrid, Barcelona e Borussia
2012 - Chelsea, Bayern, Real Madrid e Barcelona
2011 - Barcelona, Real Madrid, Manchester United e Schalke 04
2010 - Inter, Bayern, Barcelona e Lyon
2009 - Barcelona, Arsenal, Manchester United e Chelsea
2008 - Manchester United, Chelsea, Barcelona e Liverpool
* A negrito está o campeão
Tirando algumas excepções simpáticas que nos levam a acreditar que quase tudo é possível (o Lyon e a Roma e o Schalke) sem dinheiro, e o efeito a Liga dos Campeões transformou-se numa competição previsível. Manchester United, Real Madrid, Barcelona, Manchester City, Arsenal, Chelsea, Liverpool e Juventus são, por esta ordem, os clubes mais ricos do planeta; o Atlético, bem, tem Simeone.
O que se passou
Este fim de semana houve Taça da Liga: Benfica e Sporting venceram, o FC Porto nem por isso. Além disso, Cristiano Ronaldo voltou aos golos, marcando dois ao Sassuolo, ganhando balanço para o que aí vem esta semana. Porque lá atrás não referi outro ponto de interesse desta Champions: Ronaldo tem 120 golos em 153 jogos nesta competição, e pela primeira vez em dez anos não estará a jogar pelo Real Madrid. Também temos os textos dos nossos contra-cronistas e a crónica de segunda-feira de Bruno Vieira Amaral, que escreve sobre Douglas Costa, o novo bad boy, no sentido literal da expressão."
Talvez deva dizer...quem quer continuar a ser estupidamente vendido???
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