"Partiu montra porque lhe apeteceu dar cabeçada (fez pior); Toni deu-lhe 5 contos, correu pela rua (e depois morreu)
1. Depois de ter andado meses a fio em polémicas e rocambolices - para renovar pelo Benfica exigiu um Porche Carrera e 650 contos por mês (que hoje seriam equivalente a 48 mil euros). Dar-lhe o Porsche, o Benfica aceitou, salário superior a 550 contos é que não - e, ressentido, ele foi para o Vitória receber 100 contos apenas.
2. Uma só época esteve em Setúbal, de lá saltou (na de 1979/1980) para o Boavista - e, por lá, acabou por abandonar um jogo a meio, bradando: «Eu sou o Maior e o Maior não pode andar para aqui a jogar em pelados...»
3. A convite de António Simões, junto-se a George Best no San Jose Earthquakes. Aterrou na Califórnia de camisa em desalinho, um anel em cada dedo - e uma pulseira na calcanhar esquerdo. O presidente, bilionário deslumbrado por jogadores exóticos, oferecera-lhe 250 contos por mês e Corvette descapotável e dois meses depois recambiou-o para Portugal.
4. Acolheu-o Amora (que era um metáfora do país a enrodilhar-se em cheques sem cobertura, ordenados em atraso). Para que os jogadores pudessem ter banho quente era preciso aquecer-se a água em bidões (ou tornarem banho nos próprios bidões). E ele, ao saber que o seu massagista já nem os aparelhos ligava por falta de luz, deixou de aparecer nos treinos - mandou dizer que andava por Lisboa a tratar-se com raios X, só.
5. Despedido do Amora, correu rumor de que estava a caminho do Sporting - mas não, foi para o Montijo. O inferno que se lhe abrira aos pés cresceu sem fim - e algures por 1984 contou a Vítor Serpa: «Ter deixado o Benfica deve ter sido a maior asneira da minha vida. Levantei o Boavista, foram ingratos comigo. Faltava um jogo para o campeonato terminar, a mulher com quem vivia fugiu-me na véspera desse jogo, meti-me num táxi, fui atrás dela. O Boavista arranjou aí razão para não me pagar o prometido: 200 contos. Depois, os mais pequenos: Tomar, Montijo, Amora - todos me ficaram a dever. No Monte da Caparica, onde já só ganhava por vitória fui despedido por estar a mijar junto dum carro e parece que andava uma criança por perto. Eu vi lá a criança...»
6. Não muito depois voltou em tormentos ainda mais negros à ribalta em A Bola - numa reportagem em que seu destaque era um arrepio: «Já perdi tudo... Não tenho trabalho, dinheiro, casa, mulheres... Restam-me os copos que me dão» - e, depois, contava-se que quebrara a montra da Papelaria Fernandes e ao chegar à esquadra num destroço, soltara, em murmúrio, ao chefe de serviço: «Tinha bebido uns copitos. Mas não queria roubar. Foi só para partir a montra, com uma cabeçada porque me apeteceu...»
7. Vivia, então, numa barraca, junto à Lagoa de Albufeira: «Quando consigo pescar alguma coisa, como. Quando não consigo, não como». E passou a andar, cada vez mais, roto e sujo, de cabelos enormes, desgrenhado.
8. Tentaram resgatá-lo ao drama, interná-lo, desintoxicá-lo da droga - e foi tudo em vão: «Um médico disse-me que me podia curar se fosse para o Miguel Bombarda. Fui lá, veio maluco direito a mim, com olhos muito abertos. Pensei que vinha para me matar e só me pediu 5 escudos. Quando o médico me perguntou por que não queria ficar, respondi-lhe que só se estivesse maluco de todo - e fui-me embora...»
9. Em Agosto de 1989 foi como preso n.º 443 do Estabelecimento Prisional de Sintra que Carlos Rias o entrevistou: «Fiz-me a bijuterias e a um rádio, apanharam-me. O juiz disse que já me tinha dado três chances - e deu-me quatro anos de choça. Mas eu vou mudar. Para a bola não vou mais, não tenho psicologia de treinador, mas se me arranjassem a Lisnave... Limpava os barcos, tinha salário certo...»
10. Já fora coveiro, andara na limpeza das ruas por Setúbal. Com jogadores da Académica e do Vitória a festejar os 30 anos da mais longa final da Taça apareceu à porta do restaurante de barba imunda, t-shirt esburacada, calças rotas, chinelas enlameadas - e gritou: «Oh Toni!». Toni correu para ele, apanhou-lhe a súplica: «Oh pá, vê lá se fazes ai coleta, que não tenho cheta». De lágrimas nos olhos, Toni puxou dos cinco contos que ali tinha - e deu-lhos. Não quis entrar na festa que também era sua, correu, de dinheiro na mão, rua abaixo. Ano e meio depois, a 1 de Janeiro de 1999, morreu."
António Simões, in A Bola
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