"Aos 15 anos, turista quis levá-lo para a Juventus, a mãe não deixou; Telegrama para o Brasil ficou sem resposta.
1. Acabara de chegar ao Sporting de Lourenço Marques e vendo-o em acção, um turista acidental beliscou-se para saber se era mesmo verdade: «Aos meus 15 anos, a Juventus quis contratar-me. Chegou a falar com a minha mãe, mas Itália, para ela, era uma grande confusão - que eu era um garoto ainda. O Belenenses surgiu, depois, dar 110 contos - e a seguir apareceu o FC Porto a oferecer 150».
2. Nesse torneio, a que o Belenenses fora, participara ainda a Ferroviária de Araraquara, treinada por José Carlos Bauer. Deslumbrado com o «menino tímido» que lhe marcara golo pela selecção de Lourenço Marques mandou telegrama para São Paulo a perguntar se podia levá-lo - e não teve resposta.
3. No regresso de Moçambique, ao passar por Lisboa, Bauer encontrou-se com Guttmann - que o treinara no São Paulo. Falou-lhe dele num fervor tão entusiasmado que o treinador do Benfica suplicou a Maurício Vieira de Brito que não lho deixasse fugir.
4. Acabara de fazer 18 anos e tinha posto Nuno Martins com a cabeça em fogo - porque grupo de sócios decidira dar-lhe 10 escudos por cada golo. O treinador achou por isso podia não ser «saudável para o jogo colectivo», tentou evitá-lo, não conseguiu - e, graças aos seus 29 golos na primeira época na equipa principal do Sporting de Lourenço Marques, foi campeão.
5. Estoirando a notícia do interesse do Benfica, o Sporting jogou a sua cartada pelo lado de fora do coração: Brás Medeiros, o presidente, determinou que para ele vir, teria de vir à experiência: «Os meus irmãos mais velhos disseram: ou vai com contrato assinado, ou não vai. E não foi só: a malta do Sporting não foi muito correcta quando telefonou a dizer que me queria. Pensava que estava a falar com um gajo qualquer, não estava, o meu irmão era engenheiro, perguntou-lhe: 'O FC Porto já ofereceu 150 contos, o Benfica já ofereceu 150 contos, vocês oferecem o quê?' Insistiam na história da experiência, o meu irmão lembrou que o Seminário estava a ganhar 80 contos por mês, que eu era melhor do que o Seminário e só tinha 18 anos - e eles riram-se. E o mesmo disse ao Hilário, depois...»
6. O Benfica não se ficou pelos 150 contos, subiu a parada para 250 (mais do que Guttmann tinha em acordo para bónus pela conquista do campeonato) - e, de um instante para o outro, voltou a receber telefonema a dizer que fizesse a mala de pronto, que já tinha avião marcado para Lisboa, «clandestinamente marcado».
7. Da viagem tratara o talhante do Bazar de Lourenço Marques: Mário Tavares de Melo, marcando-lhe em nome de F. da Silva. «Fui o último a entrar no Super Constelation da TAP, fui levado até às escadas num carro com matrícula do Exército, cinco minutos antes da descolagem».
8. Para avisar Lisboa de que a sua secreta partida decorrera «dentro da normalidade», enviou-se telegrama que dizia: Ruth segue Vera Cruz. Nem o Vera Cruz era o paquete, nem a Ruth era a Ruth. Todos os contactos de Lourenço Marques para Lisboa fizeram-se em código - ela era Ruth, o Tavares de Melo era Conceição Malosso. E quer, Ruth, quer Conceição Malosso, existiam mesmo: eram filha e mulher de Albertino Malosso, igualmente talhante, benfiquista fanático.
9. Pouco passava das 23.30 horas do dia 16 de Dezembro de 1960 quando aterrou na Portela. À sua espera estavam dois repórteres de A Bola: Cruz dos Santos e Nuno Ferrari. Quase em murmúrio, disse-lhes: «Costumo jogar a interior-esquerdo, mas faço qualquer posto no ataque, menos o de avançado-centro, o lugar de que menos gosto». Revelou ainda que rematava com os dois pés, humildade logo lhe travou o ímpeto à resposta: «Sim, mas... mais ou menos...»
10. No dia seguinte foi ver o Benfica jogar na Covilhã: «Cheguei ao hotel, abri a torneira e a água não saía porque estava congelada - e o meu primeiro desabafo foi: Ai minha mãe, quero voltar já, não quero morrer de frio...»
11. Queixou-se ainda da «dureza» dos defesas: «Mas não me atemoriza! Gosto de jogar só à bola, mas, como se verá em breve, não me encolho quando os adversários fazem outra questão». Não, não foi tão breve o poder jogar - só por isso não ganhou mais uma Taça dos Campeões..."
António Simões, in A Bola
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