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sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Pequeno catálogo do “treinador de bancada”

"A luta darwinista das espécies no palco mediático da justiça tende a favorecer os mais aptos para o espectáculo e a superfície. Quanto mais forte e mais alta a onda, mais sobressai quem melhor a surfa, numa espécie de síndrome do canhão da Nazaré

Nada percebo de futebol, mas julgo que a expressão “treinador de bancada” terá sido cunhada nesse universo e acho-a uma bela expressão, referindo-se ao adepto ou ao observador que fala, fala e parece que sabe muito, mas muitas vezes sabe pouco ou nada e, sobretudo, está de fora e não treina.
Há outras áreas onde também abunda a figura; uma delas é a do sistema de justiça, em geral, e dos processos mediatizados, em particular. Tem-me calhado, como advogado, um número significativo destes últimos, e ao longo dos anos tenho observado – ora com o deleite intelectual do biólogo, ora com o desgosto de quem ouve e lê alguns disparates – várias espécies de “treinadores”. Vejamos algumas delas, que se misturam com os que, num esforço sério de compreensão e/ou de esclarecimento, procuram informar e opinar – que também os há, embora tendam a notar--se menos, como se a luta darwinista das espécies no palco mediático da justiça, nos tempos que correm, tendesse a favorecer os mais aptos para o espectáculo e a superfície. Quanto mais forte e mais alta a onda, mais sobressai quem melhor a surfa na sua crista, numa espécie de síndrome do canhão da Nazaré.
Há o “treinador-carteiro”, figura conhecida desde que o mundo é mundo, aquele que traz os recados e as mensagens que lhe pedem, mandam ou assopram que transmita. E há o “treinador Margot”, aquele que não perde uma oportunidade para – com a mesma destreza com que a célebre bailarina inglesa exibia em pontas a beleza do ballet clássico – se colocar em bicos dos pés, à espera que o vejam ou escutem e, assim, se lembrem de que pode ser útil. Há, também, o “treinador Salcede”, designação que homenageia o génio de Eça, que criou dois Dâmasos imorredouros; prefiro o d’“Os Maias”, o Salcede balofo e vazio que segue a maioria, que mimetiza, que vai atrás do último chique, da mais recente tendência, do brilho que julga emanar dos salões que inveja e onde apenas é tolerado.
E há o “treinador-sinaleiro”, o que não perde uma oportunidade para, a respeito de tudo e de nada, exibir a sua clarividente noção dos valores, ensinando ao vulgo, de cátedra (a que inventou para si mesmo), o que é o bem e o que é o mal. Há ainda o “treinador Edviges”, todo aquele que me faz lembrar uma senhora que vivia na vila onde passei a infância e a adolescência, e cuja ocupação era observar e comentar a vida que ela julgava ser a dos outros para preencher o entediante vazio da sua. 
E, ocorre-me também, há o “treinador visionário”, que é aquele que sabe como é que a coisa se resolve e que, com a desinteressada generosidade dos justos, mostra qual a chave do problema. Mas, por favor, não o confundam com o “treinador-pitonisa”, que é de todos o mais bem-sucedido, porque julga que conhece o devir.
Este, que é o mais interessante, faz do anúncio de coisas que hão de acontecer, e que mais ninguém sabe ainda, o seu magistério e a sua fama. E triunfa, mesmo quando se espeta de caras no momento em que a onda se enrola violentamente na areia da Praia do Norte."

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