"O 'aprendiz' Rui parece capaz de chegar tão ou mais alto do que o 'génio' Jorge, como fizeram Jesualdo Ferreira, Manuel José ou Vítor Pereira. É esperar para ver, porque a verdade vem sempre ao de cima.
Em Fevereiro do ano passado a imprensa espanhola fez eco de um recorde que pertencia a Pep Guardiola e que Luís Enrique, o seu sucessor no comando técnico do Barcelona, acabara de superar. No essencial, amplificou-se um ciclo de jogos oficiais sem derrotas, o que para o enriquecimento das estatísticas é sempre de relevante significado, sobretudo tratando-se de quem se tratava. Além de gerar interessantes exercícios jornalísticos quando preparados por profissionais aptos em desenvolverem peças valiosas a partir de dados aparentemente inúteis.
Como reagiu Luís Enrique à notícia? Como se esperava, aliás, sendo ele grande treinador, de grande clube e, por isso, obrigado a grandes (e pequenas) conquistas. Desvalorizou, sublinhando que recordes sem corresponderem a títulos valem zero.
O assunto é curioso e até oportuno por, nesta mudança de ano, ser frequente ler e ouvir louvores a Rui Vitória por causa da profusão de predicados que se lhe reconhecem, quando, um ano antes, ninguém apostava um euro na sua carreira no Benfica. Pelo contrário, como devem estar lembrados, sobretudo os que têm memória com autonomia para uma temporada desportiva, apenas lhe enxergaram defeitos, deste a má imagem, à deficiente comunicação, passando pela fraca liderança (este termo tem muito que se lhe diga, não há dúvida...) e pela dificuldade no controlo do balneário.
Entre outros 'mimos' que lhe dirigiram, ressaltaram as inabilidades estratégicas e tácticas, essas coisas que os mestres do mesmo ofício gostam de complicar para os estranhos não as entenderem, além de dificuldades na 'leitura do jogo' e na (má) prontidão com que corrigia os 'erros de ortografia' que se lhe deparavam.
Foi um movimento generalizado e agressivo, que me levou a escrever neste espaço que se tinha tornado moda bater em Vitória. Porque era fácil, embora sem razão, ou quase sempre sem ela, ao omitirem-se dois factores determinantes:
1. A mudança de Guimarães para a Luz, a requerer o necessário tempo de adaptação e que não lhe concederam, embora o visado jamais se tivesse queixado.
2. A campanha que leh foi movida a partir do exterior, pública e de origem identificada, como se de repente o Benfica ficasse interditado de contratar outro treinador só porque o que lá estava resolveu mudar de patrão.
A verdade é que Rui Vitória, desconsiderado e enxovalhado, resistiu com a única arma eficaz de que dispunha: a qualidade do seu trabalho, provavelmente superior à de quem tudo tentou para que não vingasse.
Foi campeão nacional e num instante passou-se uma esponja sobre o que de injusto e desagradável se dissera ou escrevera em relação a ele. Críticos severos transformaram-se em adeptos do coração. Os erros evaporam-se e houve, enfim, espaço para os méritos, muitos. É o exagero do costume quando se fala de futebol.
Do fundo do poço da incompreensão começaram a retirar-se baldes de coisas boas e a descortinarem-se marcas e feitos suplantados por Rui Vitória recebido com duas pedras na mão e depressa promovido não a 'espécie de treinador', mas a treinador de verdade, 'espécie' de personalidade do ano, pelo volume de recordes ao qual se associou o seu nome. Reagiu com a humildade dos homens simples, principalmente após ter colocado o Benfica no topo dessa escala de proezas estatísticas: 44 vitórias em 2016, a par do Barcelona e à frente de todos os restantes colossos europeus.
O que aproxima Luís Enrique e Rui Vitória, então? A certeza de que nada vale sem títulos.
Entra em 2017 quatro pontos à frente do FC Porto, seis do SC Braga e oito do Sporting e do Vitória de Guimarães e, no entanto, adverte que é mais longo e difícil o percurso que falta cumprir do aquele que já se cumpriu. Treinadores recordistas é giro, para os próprios, mas para os clubes o que verdadeiramente importa são os troféus conquistados. Paulo Bento, que tinha plena consciência dessa realidade, dizia que mão é no andebol, eu acrescento que recordes é (mais) no atletismo.
Tal como Enrique, Vitória não vive de elogios. Quer fazer parte da família dos grandes, como José Mourinho, um dos cinco treinadores que venceram a Liga dos Campeões por dois emblemas, no caso FC Porto e Inter. Sem esquecer Artur Jorge (Champions), André Villas Boas (Liga Europa) e Anselmo Fernandez (Taça das Taças), além de, obviamente, Fernando Santos, o maior de todos para os portugueses.
Em conclusão, o 'aprendiz' Rui parece capaz de chegar tão ou mais alto do que o 'génio' Jorge, como fizeram Jesualdo Ferreira, Manuel José e Vítor Pereira. É esperar para ver, porque a verdade, como o azeite,vem sempre ao de cima."
Fernando Guerra, em A Bola
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